Agência PUC de Comunicação promove palestra para lançamento da ação "Agência PUC Traz"
Palestrantes Gustavo Araújo de Castro, diretor de Inovação da AmBev, acompanhado por...
Docente tem reconhecimento mundial como pesquisador na área de Exegese da Literatura Joanina
A convite do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC-SP e do Grupo de Pesquisa Literatura Joanina (LIJO), o Prof. Dr. Pe. Johannes Beutler SJ lecionou, entre os dias 1º e 10/8, a disciplina "História Social do Antigo Israel e do Cristianismo Primitivo", no Mestrado em Teologia. O professor Beutler tem reconhecimento mundial como pesquisador na área de Exegese da Literatura Joanina. Hoje emérito, lecionou na Faculdade de Filosofia e Teologia St. Georgen em Frankfurt (Alemanha), no Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália) e na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma.
Leia a seguir entrevista concedida pelo prof. Beutler ao prof. Matthias Grenzer, coordenador do Pós em Teologia da PUC-SP. Crédito da foto: Pe. Leonardo da Silva.
Quais foram, nos últimos tempos, os maiores progressos na compreensão e interpretação do Evangelho segundo João?
Desde os tempos antigos, o Evangelho de João tem sido compreendido como "Evangelho espiritual". Foi entendido como um Evangelho que atrai o indivíduo e lhe mostra um caminho interior para a salvação. O Jesus desse Evangelho parecia mais distante das preocupações do dia a dia, das quais os Evangelhos mais antigos ainda falam. Hoje vemos o Quarto Evangelho como um escrito que se baseia nas riquezas de Israel. Não se dirige ao indivíduo, mas, sobretudo, à Igreja e ao povo de Deus. Jesus é o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas. Ele fala a linguagem das Sagradas Escrituras de Israel. Veio para salvar não almas mas sim o povo de Deus formado por judeus e gentios.
Às vezes se diz que os três primeiros Evangelhos ainda falam do Reino de Deus, mas não mais o quarto, que somente falaria da realeza de Jesus. Isso não me parece ser correto. Paulo diz em Romanos 14,17: “O Reino de Deus não é comida e bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”. Tudo isso também se encontra no Evangelho segundo João. No capítulo 14 (vv. 25-29) e no 16 (vv. 4-33), Jesus promete a seu povo os dons do Espírito, da paz e da alegria para o momento futuro de sua nova vinda, e, no capítulo 16, os mesmos dons mais a justiça. E, no dia da Páscoa, Jesus dá esses dons a seus discípulos (João 20,19-23). Cumprimenta-os com a saudação da paz, sendo que eles se alegram. E lhes dá o Espírito Santo para a remissão dos pecados. Isso não é nada diferente do que é o Reino de Deus, do qual o Jesus dos outros Evangelhos e Paulo falam.
Quais são as alegrias e tristezas do senhor quando pensa sobre como a Igreja e a sociedade se relacionam com o Evangelho?
Especialmente desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica redescobriu as Sagradas Escrituras. Em muitas partes da Igreja, elas são lidas novamente, não apenas por indivíduos, mas também por comunidades e grupos. Penso, por exemplo, no cardeal Martini, a quem pude conhecer bem. Ele se tornou arcebispo de Milão em 1980. Havia ensinado Ciências Bíblicas em Roma e agora tentava aproximar as Sagradas Escrituras à sua diocese. Quando, nos domingos, interpretava os textos bíblicos na Catedral de Milão, milhares de jovens iam ouvi-lo. Algo assim não fica sem consequências numa metrópole. Durante anos, o cardeal Martini pregou retiros a seus sacerdotes, bem como a religiosos(as) e leigos(as), em geral baseados nas Sagradas Escrituras. Isso os(as) ajudou a levar a Palavra de Deus às suas comunidades.
Na América Latina, as Sagradas Escrituras também ajudaram a viver a fé e torná-la eficaz nas comunidades. Nem sempre tal dinâmica se manteve. Com isso, surge o perigo de os cristãos procurarem pela Palavra de Deus em outras comunidades cristãs, onde, às vezes, não se busca Jesus, mas se visa ao dinheiro e se rejeita a Doutrina Social da Igreja.
Quais esperanças o senhor cultiva em relação à Igreja Católica na América Latina e, especialmente, no Brasil?
De Medellín a Aparecida, houve Conferências Episcopais que traduziram o Evangelho e o Concílio Vaticano II para o mundo da América Latina. Desde o início, a Igreja adotou a opção preferencial pelos pobres. Esta é uma tarefa duradoura. Na verdade, ela vai se tornar cada vez mais importante, uma vez que a distância entre ricos e pobres parece aumentar. Cheio de esperança, esperamos pelo Sínodo sobre a Amazônia, em 2019. Ele deve servir para manter essa grande reserva natural, mas também abrir portas para uma nova pastoral que permita o acesso aos sacramentos em locais remotos, a começar pela Eucaristia.
Como em qualquer outro lugar do mundo, o problema da atividade governamental responsável também está presente na América Latina. Em 2006, pude organizar uma Semana Bíblica em Bogotá, a convite da Conferência Episcopal Colombiana. Escolhi como texto-base o discurso de Jesus sobre o Bom Pastor (João 10). Nesse texto, não se visa a Jesus como pastor das almas, mas à governança responsável em vista do bem comum. A pergunta é: quem conduz o povo de Deus, sem cultivar interesses particulares? Os dignitários judeus, que com frequência somente se interessavam por suas vantagens pessoais, ou Jesus, que estava disposto a dar sua própria vida pelos outros?
Em um país como a Colômbia, a mensagem foi imediatamente entendida. Uma classe dominante procurava, muitas vezes, apenas por suas vantagens econômicas, enquanto o povo empobrecia e estava à mercê da violência. Personagens como Oscar Romero ajudaram a mostrar a atualidade do Bom Pastor para o tempo presente.
O que motiva o senhor a contribuir com o estudo da Bíblia fora da Europa?
Na década de 1980, comecei a lecionar fora da Europa. Isso foi vinte anos depois do Concílio Vaticano II. Durante meus anos de estudante, todos os professores no Pontifício Instituto Bíblico ainda vinham do norte e do oeste da Europa, ou da América do Norte. Os estudantes, por sua vez, provinham sobretudo do sul da Europa ou do hemisfério sul, especialmente da África e da Ásia, mas também da América Latina, lugares onde ainda não havia suficientes oportunidades de estudo. Então aproveitei com prazer a oportunidade de oferecer cursos, seminários e conferências em um Instituto Teológico na África Ocidental. Alguns anos depois, dei aulas na América Latina, do México à Colômbia e à Bolívia, assim como no Brasil. Quero ajudar para que localmente haja teólogos e exegetas bem treinados, sendo possível eles transmitirem seus conhecimentos para suas dioceses, comunidades e até a sociedade civil.
Enquanto isso, surgiu também um número crescente de professores dos países do sul em Roma. Isso me faz feliz, porque sempre o desejei e, onde podia, também o favoreci. Penso que colegas de fora do mundo ocidental costumam fazer perguntas mais existenciais do que os(as) da Europa ou da América do Norte. Não se limitam somente a questões literárias ou históricas na interpretação das Sagradas Escrituras, mas perguntam sobre o significado da Palavra de Deus e da fé para o mundo de hoje. Isso faz bem a todos(as), especialmente aos(às) representantes das Igrejas nos países ricos.