Professor Edgard de Assis Carvalho fala sobre sua trajetória de mais de 50 anos na PUC-SP
Pós em Ciências Sociais divulgou carta de despedida exaltando a importância do docente, que se aposentou neste mês de dezembro
Após 52 anos de atuação na PUC-SP, o professor Edgard de Assis Carvalho, que era docente do Pós em Ciências Sociais, considera sua aposentadoria "o fim de um ciclo e início de tantos outros". O programa de pós-graduação divulgou uma carta se despedindo do antropólogo, considerado um dos principais estudiosos no Brasil sobre a obra e o pensamento de Edgard Morin, em que exalta a importância do professor para a Universidade, "suas inestimáveis contribuições acadêmicas e intelectuais para o bom desenvolvimento da área de Ciências Sociais", além da "formação de alunas e alunos, a pesquisa criteriosa e constante para a produção de conhecimento, atuação marcante nos cursos de graduação e pós-graduação" e estruturação e consolidação do Núcleo de Estudos da Complexidade - Complexus. A mensagem pode ser lida na íntegra clicando aqui.
Em entrevista ao JPUC, o professor Edgard de Assis Carvalho falou sobre sua trajetória na PUC-SP:
Como o senhor avalia sua trajetória na PUC-SP? Foram quantos anos como docente da Universidade?
Conclui a graduação na USP em 1968 e ingressei na PUC-SP em 1969 como auxiliar de ensino do Departamento de Antropologia. Fui preso pela ditadura no final de 1969. A absolvição final ocorreu em 1971. Defensora perene do Estado Democrático de Direito, a Reitoria da PUC-SP manteve meu contrato de trabalho e a carreira acadêmica deslanchou. Doutorado direto, na Faculdade de Filosofia de Rio Claro (1974), pós-doutorado em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1980) e o concurso de professor titular de Antropologia da PUC-SP. Ao todo, foram 52 anos na Universidade. Sou livre-docente aposentado da UNESP, campus de Araraquara, e exerci a presidência do CONDEPHAAT. Permaneço vice-presidente do Instituto de Estudos da Complexidade, Rio de Janeiro, pesquisador da FIOCRUZ, assessor permanente do GRECOM, UFRN, tradutor da área de Humanidades.
Quais momentos mais marcaram sua carreira na Universidade?
A violenta invasão da PUC-SP pela ditadura, em 1977, os dois incêndios do Tuca, em 1984, a criação do Núcleo de Estudos da Complexidade, em 1996, o projeto Películas e Ideias, que se estendeu por 21 anos até 2019, problematizou a relação arte-ciência, mais especificamente o papel do imaginário cinematográfico na compreensão da cultura. Até às vésperas da pandemia, as Oficinas do Pensamento envolveram a discussão de pensadores contemporâneos e leitura sistemática de autores “clássicos”, meus mestres como sempre costumo dizer: Claude Lévi-Strauss, Edgar Morin dentre outros, sempre contando com um público extremamente diferenciado. A direção da Faculdade de Ciências Sociais, a coordenação da pós-graduação em Ciências Sociais, a presidência do Comitê de Ética em Pesquisa, do campus Monte Alegre, foram constantes desafios. Durante o tempo da minha coordenação na pós, reiteradas vezes interpelei a CAPES sobre o caráter interdisciplinar das Ciências Sociais. A contradição permanece. Protestos acerca do caráter quantitativo da avaliação permanecem tímidos e ineficazes. A crise se ampliou muito no governo atual, críticas dirigidas à presidente da CAPES se intensificaram, o que motivou a demissão de alguns coordenadores de área e de mais de cem consultores. Ressaltaria, porém, a direção da Fundação Cultural São Paulo, então responsável pelo Tuca, e pela política cultural da Universidade, como o mais instigante de todos.
O senhor teve atuação direta na reconstrução do Tuca. Poderia nos falar um pouco sobre esse momento importante para a história da PUC-SP?
Depois dos incêndios de 1984, o teatro não podia parar, o show tinha de continuar. O SOS Tuca foi fundamental à época. Leilões de obras de arte, passeatas e discussões reconfirmavam a presença do Tuca no imaginário da cidade. O teatro foi parcialmente reconstruído com parcerias privadas que garantiram cadeiras provisórias da plateia e reformas mínimas nos camarins e na iluminação se concretizaram. Até hoje nas paredes laterais da plateia há testemunhos daquele terrível momento. Muitas vezes, órgãos municipais fechavam o teatro, mas minha equipe agia rápido e o teatro voltava a funcionar. O pedido do tombamento feito pela direção da Faculdade de Ciências Sociais foi inovador, incluía o Tuca, o prédio-sede do Convento e a capela. Mesmo na presidência do CONDEPHAAT, a tramitação foi longa e polêmica, pois o Conselho reiterava que o conjunto não tinha valor histórico significativo. Depois de longa e polêmica tramitação, o Conselho aprovou o tombamento em 1992. Reconhecia o “valor simbólico” dos bens e quaisquer mudanças em todo o conjunto dependem até hoje de aprovação prévia do órgão. Com isso, a reforma do teatro foi ultimada. O antigo balcão foi dividido em duas salas e muitos debates acadêmicos, exibição de filmes e pequenos monólogos teatrais foram realizados ali. Duas salas no saguão principal e no inferior, antigo "Tuquinha", capacitaram o teatro para diversificadas produções. Toda vez que assisto um espetáculo ou participo de algum evento acadêmico, e vejo a configuração atual do espaço, fragmentos dessa história me vem à mente. O Tuca passou a constituir uma ponte sólida com a Universidade e com a sociedade que, de certa forma, reafirmava a relevância da interface arte-ciência e a democratização da vida. Talvez essa ponte deva ser repensada.
Qual o sentimento do senhor diante da aposentadoria?
A rescisão do meu contrato com a Universidade e a Fundação São Paulo foi amigável. Entendo o processo como o fim de um ciclo e o início de tantos outros que certamente virão. Como afirma Ilya Prigogine, "o futuro está sempre em aberto".
Qual mensagem o senhor deixa para seus colegas docentes e alunos?
Tive o privilégio de ser aluno de Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, onde comecei a graduação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que hoje integra a UFRJ. Uma de suas aulas marcou-me para sempre. Para Darcy, a função da Universidade é dominar a ciência do seu tempo e prosseguir na formação, cujo inacabamento envolve emergências e bifurcações. Claro que tal formação deve se empenhar na superação da oposição entre a cultura científica e a cultura humanista, o que requer um ponto de vista inter e transdisciplinar que revogue a arrogância da razão, do antropocentrismo e das derivas identitárias. Os verdadeiros intelectuais, aprendi isso com Edgar Morin, são os que conseguem abdicar de suas competências disciplinares para imaginar e concretizar o projeto de um mundo verdadeiramente democrático e ético para todos.