PUC-SP sedia encontro de reitores de universidades comunitárias promovido pela ABRUC
A reitora Maria Amalia Andery recebeu o prêmio Mérito Educação Comunitária pela sua...
Primeiro artigo da série que aborda o Novo Estatuto em discussão na PUC-SP
ESTATUTO DA
2018
APRESENTAÇÃO
O Preâmbulo ao Estatuto da PUC-SP, que segue, é uma exposição geral dos desafios e dos princípios que justificam a existência de uma Universidade, Pontifícia e Católica, em São Paulo, no Brasil, na América Latina e no Mundo atual.
Embora o projeto da PUC-SP tenha a pretensão da perenidade e da universalidade, é imperativo explicitar que no presente, 2018, ele deva ser formulado também como resposta a desafios do contexto atual de São Paulo, do Brasil, da América Latina e do Mundo, a saber: um contexto de intensificação de contradições e conflitos decorrentes do crescimento das desigualdades e de violências no convívio das diferenças.
Tal Preâmbulo é inspirado nos conceitos e experiências que foram vividos pela PUC-SP ao longo de seus mais de 70 anos de história e que têm guiado o seu projeto, visando agora avançar na sua qualidade cultural e social e no adequado cumprimento de sua função de pesquisadora, educadora e formadora de valores humanos.
Este Preâmbulo pretende cumprir duas funções:
1. na atual fase de reformulação do Estatuto, a função de parametrizar os princípios, os conceitos fundamentais, o sentido da organização e as responsabilidades a serem atribuídas a cada uma das diversas instâncias, funções e ações da universidade;
2. na fase posterior à aprovação do Estatuto, com as devidas adaptações, a função de explicitar, para os membros da comunidade universitária e para a sociedade, o sentido deste Estatuto, desta Universidade e do seu projeto.
PREÂMBULO
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, encontra-se num tempo do Mundo em fronteiras: umas rígidas, outras deslocadas, outras diluídas. As questões humanas vêm adquirindo dimensões transnacionais e transculturais, de impactos sobre o futuro da Terra, nossa casa comum. Urgente é o desafio, para o qual é chamada também a Universidade, de proteger a família humana, de promover o seu desenvolvimento e garantir a sua perenidade, mediante um desenvolvimento integral e sustentável: ambiental, econômico, social, científico, cultural, político e espiritual.
Os ideais dos projetos civilizatórios e de melhoria de vida para todos, não obstante, parecem se apequenar diante da persistência das guerras, das discriminações culturais, dos ganhos desproporcionais da ciranda financeira, das desigualdades que geram grandes fortunas simultaneamente a brutais misérias, das barreiras econômicas e sociais, da extinção gradual do trabalho, das violências cotidianas.
Destaca-se aí a íntima relação entre a produção da pobreza e a crescente fragilidade do planeta, entre a dramaticidade dos mundos de onde fogem os imigrantes e refugiados e a indiferença moral dos estados e governos que recusam o seu acolhimento, entre o esvaziamento da qualidade social da educação e a intensificação das formas de controle social e cultural por meio das tecnologias da comunicação e suas redes, entre a diluição da formação cultural e a alienação das consciências.
O crescimento das desigualdades e das violências no convívio das diferenças, o crescimento desordenado dos processos de urbanização, especialmente na América Latina, o enfraquecimento dos modelos de governança locais e mundiais e a fragilização da democracia exigem debates e diálogos fundamentados e honestos que viabilizem pactos políticos e sociais, nacionais e transnacionais, a partir de princípios de solidariedade universal.
Como se referiu o Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Sí (2015), é impossível não relacionar esses graves problemas humanitários a formas do poder que derivam das tecnologias, daí
o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida” (Item 16).
Da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, neste cenário histórico, espera-se a manifestação explícita de seu radical compromisso com a pesquisa, o ensino, a extensão de um modo crítico, reflexivo, socialmente comprometido, consciente de seu poder estratégico de interferir nos rumos futuros da sociedade, consciente de sua essência de universidade católica, isto é, universal: através e por todo o mundo.
A Educação vive uma condição paradoxal no mundo contemporâneo, particularmente desde a última década do século XX. Talvez nenhuma outra época a tenha exaltado tanto com fator de desenvolvimento; e talvez em nenhuma outra época ela tenha estado sob tão graves desafios. Não cabe desconsiderar o valioso avanço quantitativo no quesito “acesso”; mas é obrigatório considerar as graves ameaças à sua qualidade, sem a qual os ganhos de acesso se perdem e podem vir ter seu sinal de qualidade invertido.
No caso dos ciclos iniciais de ensino, do infantil ao secundário, os problemas mostram-se dramaticamente desafiadores. Os novos referenciais curriculares traçados pela União Europeia (desde 1996) e, especialmente, a OCDE (desde 1997), convergiram para a redução da educação e do conhecimento ao conceito de competências e essas, na prática, em boa parte das políticas públicas e projetos sistêmicos, reduzidas ao mero desenvolvimento de habilidades alinháveis às demandas do mercado de trabalho. O efeito dessa reconceitualização se fez sentir em todo o mundo. O desafio é grave, pois as promessas de inteligências conformadas por algoritmos ou facilitadas pela quantidade de informações em nuvens efetivamente não garantem o desenvolvimento de “pensar em profundidade” nem de “viver com sabedoria” (Laudato Sí, Item 47).
Apresenta-se, assim, uma grande ameaça às convencionais, fundamentais e indispensáveis funções da educação de prover desenvolvimento pleno das pessoas em sua subjetividade, sua qualificação para o exercício da cidadania e sua preparação para o trabalho, sendo essas três funções reciprocamente implicadas e inseparáveis.
Com efeito, a educação, como dimensão humana das mais originárias, guarda sempre em si a tarefa primeira de Sócrates, que convoca cada ser humano e a humanidade: “Conheça-te a ti mesmo”. Tal provocação não cessa de ser feita e aloca-se num universo mais amplo da Ética, como lugar também epistemológico do conhecimento das grandes questões que nos tornam humanos: tarefa perenemente posta. Pois o conhecimento crítico é a primeira forma de se contrapor à tendência quase hegemônica da contemporaneidade de implantar gradualmente um paradigma tecnológico e unidimensional do ser humano.
Aqui a educação universitária criativa cumpre o papel de trazer continuamente, por seus canais de produção de conhecimento, a valorização da vida que se contrapõe criteriosamente às leis do mercado e do consumismo devastador. De fato, no âmbito específico do Ensino Superior, os ajustes do propósito curricular foram notáveis na elaboração do Protocolo de Bologna (1997), cujo valor é reconhecidamente ambivalente, se analisado de um ponto de vista crítico humanista, à vista da submissão dos sistemas educacionais, em última instância, ao critério de competitividade.
Vive, assim, a Universidade, nos tempos atuais, o desafio de realizar o Ensino, a Pesquisa e a Extensão ultrapassando essas armadilhas postas pela mentalidade hegemônica.
Isso significa realizar um Ensino na forma de uma excelente formação profissional, a qual, inerentemente, não se reduz a ganho de competitividade pelos melhores postos no mercado de trabalho. Pois, assim como nos níveis de ensino anteriores, a formação profissional é inseparável da formação para a cidadania e da formação plena da pessoa como subjetividade; e tais formações são intermináveis, requerem-se ao longo de toda a vida, de modo amplo e não somente na vida produtiva, sendo a universidade apenas o lugar de seu arranque na vida adulta.
Isso significa, também, realizar a Pesquisa institucionalmente (isto é, com apoio institucional, mediante financiamento direto e mediação junto a agências de fomento); ao mesmo tempo, significa promover a colaboração coletiva na investigação e a formação integral dos pesquisadores, à vista de suas inalienáveis responsabilidades éticas e epistemológicas, subjetivas e objetivas. Sem prejuízo da possibilidade de realização de pesquisas encomendadas e pagas por organismos e instituições externas à Universidade, significa igualmente investir em pesquisa básica e desinteressada, sob orientação exclusiva do interesse público e humanitário, pelo valor da sustentabilidade, e capaz de produzir utopias.
Isso significa, enfim, realizar a Extensão como responsabilidade igualmente institucional, que expresse o compromisso da Universidade com a sociedade, particularmente considerada em seus grupos mais excluídos dos benefícios do desenvolvimento, buscando assim o efeito máximo de equidade e redução de desigualdades regionais, econômicas, sociais e culturais.
Um tal conjunto de funções exercendo-se permanentemente, de modo integrado, mediante práticas interdisciplinares e cooperativas, certamente provê o ambiente desejável que deve ser próprio de toda universidade, sem o qual ela não se realiza propriamente: um ambiente de exercício constante e generalizado do pensamento crítico, voltado tanto às necessidades mais imediatas do contexto, quanto à perspectiva estratégica de um futuro sustentável.
Desde a fundação da primeira Universidade Católica, em Louvain, Bélgica (1834) ficou evidenciado o seu sentido de compromisso com a sociedade por meio do livre cultivo do conhecimento e da formação. Esse compromisso se delineou na Bélgica por efeito das duas importantes referências históricas próximas e recém-implantadas na Europa: a universidade estatal napoleônica (Paris, 1806) e o seu contraponto, a universidade da autonomia de ensino e pesquisa, de Humboldt (Berlin, 1810). A especificidade desse compromisso católico seguiu consolidando-se ao longo das diversas universidades católicas que foram sendo criadas a seguir: nos EUA (1842), Alemanha (1848), Canadá (1851), Irlanda (1852), França (Paris, Poitiers, Lille, Angers, Toulouse, entre 1875-1879); e mesmo na América Latina (Chile, 1888, Peru, 1942). Em Dublin (1852), seu reitor, futuro Cardeal Newmann, figura de destaque na Igreja de então, afirmava categoricamente: “A Universidade Católica será verdadeiramente Católica se for verdadeiramente Universidade”.
No Brasil, a liderança do Cardeal Leme, na então capital da República, expressou o mesmo compromisso ao iniciar o projeto de criação de uma Universidade Católica ao lado das demais iniciativas de ação católica. Seu objetivo era moldar a cultura brasileira com princípios cristãos. Assim, foi fundado o Instituto Católico de Estudos Superiores (1932), que se tornou mais tarde a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1945) e inspirou a fundação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1946).
A PUC-SP foi fundada sobre dois pilares institucionais: um conjunto de duas unidades “incorporadas” e outro conjunto de quatro unidades “agregadas”. As unidades incorporadas eram a Faculdade Paulista de Direito e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. Esta última, conhecida como “a São Bento”, havia sido fundada em 1908 por Dom Miguel Kruse, Abade do Mosteiro de São Bento. Ela é a instituição mais originária, portanto, da PUC-SP. E por isso cabe destacar que seu nome inaugural, em 1908, era “Faculdade Livre de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo”. Eis aí, já no nascedouro, a vocação à liberdade e à autonomia da nossa PUC-SP.
Em 1967, repercutindo a ampla e profunda reforma da Igreja promovida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), uma Comissão de Bispos e lideranças católicas latino-americanos reunidos num Seminário em Buga, Colômbia, elaborou um documento que se tornou referência para as universidades católicas na América Latina (Missão da Universidade Católica na América Latina, 1967). Afirma esse documento:
Ser centro elaborador de cultura – isto é, Universidade – significa ser consciência viva da comunidade humana à qual pertence. Não pode a universidade prescindir deste compromisso vital, que pertence à sua própria essência, e que constitui o sentido mais profundo de sua liberdade e autonomia. (...) A Universidade é consciência do processo histórico, onde se faz presente o passado na criação de novas formas de cultura.
Um ano após, o Brasil instituía uma Reforma Universitária (Lei 5.540/68). A PUC-SP implantou sua Reforma balizada tanto por essa lei federal quanto pelo documento de Buga, o que resultou no Estatuto de 1971. Pequenos ajustes na estrutura organizacional acadêmica levaram a uma revisão desse Estatuto cinco anos após (1976).
Em 1982, a PUC-SP empreende um intenso e amplo movimento de reforma de seu Estatuto, no contexto de avaliação de 10 anos da Reforma Universitária. Adotou-se um modelo original para a gestão desse processo, mediante a eleição de uma “Comissão Constituinte da PUC-SP” que, mobilizando intensamente todas as unidades acadêmicas e grande número de professores, alunos e funcionários, elaborou um novo Estatuto, que foi aprovado pelo Conselho Universitário em 30 de novembro de 1983, mas não logrou aprovação final pelo então Conselho Deliberativo da Fundação São Paulo.
Em 2008, um novo processo de reforma do Estatuto da PUC-SP teve lugar, agora tendo como referência a Encíclica Ex Corde Ecclesiae (1990), do Papa João Paulo II, a qual assim define a Natureza e os Objetivos da Universidade Católica:
Toda a Universidade Católica, enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica que, de um modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades locais, nacionais e internacionais. Ela goza daquela autonomia institucional que é necessária para cumprir as suas funções com eficácia, e garante aos seus membros a liberdade acadêmica na salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências da verdade e do bem comum (Item 12).
Em 2018, a PUC-SP é convocada, por carta do Grão-Chanceler Dom Odilo Scherer, a apreciar uma proposta de alteração do Estatuto elaborada pelo Conselho Superior da Fundação São Paulo. O Conselho Universitário instituiu um Grupo Técnico de Trabalho com o objetivo de organizar e sistematizar propostas de alteração do Estatuto vindas da comunidade. Em pronta resposta, um significativo número de professores se reuniu espontaneamente em grupos diversos que se detiveram sobre os diversos temas que compõem o Estatuto e apresentaram suas propostas.
[O presente Preâmbulo é uma dessas propostas.]
O reconhecimento do valor institucional da PUC-SP no quadro das universidades brasileiras é uma unanimidade entre as principais lideranças intelectuais e políticas do país. Esse reconhecimento se baseia em seu compromisso histórico com a qualidade do ensino, pesquisa e extensão. Mas com igual frequência é citado o singular enfrentamento da ditadura militar, ao longo dos anos 1970, pelo qual a PUC-SP deu exemplo de coragem e coerência com os princípios cristãos que a sustentam, cumprindo uma agenda política que nenhuma outra universidade brasileira na época podia cumprir. A PUC-SP acolheu a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC vetada pela ditadura militar e acolheu professores cassados de universidades públicas, entre outras ações. Não é exagero dizer que talvez esse tenha sido um dos seus mais notáveis testemunhos de catolicidade, que engrandeceu a história da Igreja de São Paulo. A clarividência e a coragem do então Grão-Chanceler Dom Paulo Evaristo Arns escreveram uma página memorável na história da democracia e dos Direitos Humanos no país.
Tampouco é exagero afirmar que a melhor substância acadêmica e intelectual desta universidade está justamente relacionada a esse perfil democrático. Não é casual o fato de esta ser uma universidade na qual seu corpo diretivo, desde as chefias acadêmicas mais imediatas e locais até o Reitor são literalmente representativos da comunidade. Ou seja, a organização participativa da gestão na PUC-SP não é um detalhe formal, ou mero estilo organizacional. Muito mais: é parte da sua essência e o principal fundamento que explica a qualidade de suas atividades, posto que associadas à radical responsabilidade dos que cumprem mandatos da vontade coletiva.
Portanto, é inseparável da história da PUC-SP a responsabilidade participativa de sua comunidade num projeto coletivo; perder essa característica significaria perder um dos melhores traços de sua substância institucional. Enfraqueceria também a Igreja de São Paulo se privar-se desse centro irradiador que testemunha sua catolicidade e lhe confere inestimável prestígio. Tal caráter de gestão compartilhada não apenas não é inédito no interior das estruturas eclesiásticas, como vem se mostrando como uma tendência institucional, desde o Concílio Vaticano II. A recém-publicada Constituição Apostólica Episcopalis Communio, assinada pelo Papa Francisco dias atrás, em 18 de setembro de 2018, que institui o caráter sinodal na Igreja (o coletivo dos Bispos como lugar de decisões eclesiásticas), é demonstração dessa tendência.
Essas considerações históricas e institucionais permitem elencar alguns dos traços identitários essenciais da PUC-SP, sem os quais em alguma medida ela se esvaziaria e certamente perderia em boa parte o vigor intelectual e cultural que fazem dela uma das mais admiradas e respeitadas universidades brasileiras:
Alípio Casali
Fernando José de Almeida
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo
02 outubro 2018