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Artigo publicado originalmente no site Jornalistas Livres
Pode guardar as panelas
“Você sabe que a maré
Não está moleza não
E quem não fica dormindo de touca
Já sabe da situação
Eu sei que dói no coração
Falar do jeito que falei
Dizer que o pior aconteceu
Pode guardar as panelas
Que hoje o dinheiro não deu”
(Pode guardar as panelas – Paulinho da Viola)
É com grande alegria que inauguro este privilegiado espaço nos Jornalistas Livres, graças ao generoso convite da companheira Katia Passos. Espero estar à altura do desafio.
Antes que alguns, ao lerem a minha qualificação, digam “que preguiça ler um artigo de um jurista”, devo registrar que, apesar de professor de Direito, evitarei ao máximo o uso do temido “juridiquês”, cujos termos esotéricos não são obra do acaso, senão que fazem de um projeto de dominação por meio do Direito.
Não há coisa mais irritante que, diante de um equívoco que cometemos, ouvirmos de um terceiro a famosa frase “eu avisei!”. O momento, entretanto, torna esta frase inevitável.
Embora o nosso futuro seja incerto, as jogadas que sucederam a ilegítima destituição da Presidenta Dilma Roussef são de uma obviedade constrangedora. Como temos dito à exaustão, nada do que estamos assistindo nos últimos anos tem a ver com o chamado “combate à corrupção”. Trata-se, pura e simplesmente, de um arranjo entre autoridades nacionais, de todos os Poderes, a grande mídia e uma elite transnacional, com a finalidade de aprofundar a rapinagem sobre o país.
É absolutamente compreensível a adesão de muitos às manifestações que antecederam o golpe de 2016, tomados pela repulsa à chaga da corrupção e pelo ódio destilado pela maioria da mídia nativa. Neste momento, porém, permanecer com panelas à mão é prova de mau-caratismo ou de uma tolice irremediável. Além da deterioração geral da economia, com impacto direto no índice de desemprego e em questões sensíveis como a segurança pública, as atuais políticas do governo Temer estão sacrificando qualquer esperança de um futuro digno para os brasileiros. Apenas para ficar com um exemplo, as políticas de contenção de gastos sociais adotadas pelo atual governo levarão à morte 19.732 crianças até 2030, segundo estudo recentemente publicado pela Fiocruz. Quem sabe este número dantesco possa despertar algumas consciências.
Alguns paneleiros mais “críticos”, porém, redarguirão: “eu fui às ruas, mas não queria o Michel Temer. Eu queria uma limpeza geral, a começar pela Dilma”. São os mesmos que agora comemoram revezes judiciais de almas penadas como Aécio Neves afirmando que isso seria a prova definitiva da “imparcialidade” da Lava Jato. Ora, a esta altura não é mais admissível tamanha ingenuidade.
É preciso compreender que há um projeto em curso – de que é vítima não só o Brasil, senão que a maioria dos países da América Latina – que não se traduz em uma tosca disputa entre PT e PSDB, petralhas ou coxinhas. Aliás, estas divisões apenas facilitam a destruição do país. Um exemplo revelador do estamos a dizer é a atual paralisação dos caminhoneiros. Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás, o diesel importado dos EUA, que em 2015 respondia por 41% do total importado pelo Brasil, em 2017 superou 80% do total. A quem interessa tal política? Talvez aos mesmos que não se cansam de louvar e celebrar um certo juiz brasileiro.
Não nos esqueçamos também de que, atualmente, os verdadeiros titulares do poder não desejam a normalidade e a mediação democrática. Isto justifica, por um lado, o fato de que nosso maior mediador está em uma solitária em Curitiba e, por outro, adverte-nos de que o caos em que está imerso o país não é uma disfunção temida pelos exercentes do poder econômico. Ao contrário, o caos alimentará os retrocessos sociais, aprofundará o autoritarismo e ampliará os já aviltantes lucros de uma elite criminosa.
Rafael Valim é Advogado, Doutor em Direito. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Professor Visitante de Universidades na América Latina e na Europa.