Ex-professor publica "Epifania da janela"
Texto de Jorge Claudio Ribeiro Jr.
Leia, a seguir, texto do ex-professor da PUC-SP Jorge Claudio Ribeiro Jr.:
EPIFANIA DA JANELA
O dia? Três de março. De que ano? Este mesmo, 2022. Nessa data, começou uma epifania que venho contemplando diariamente da janela de meu apartamento. Moro aqui há quarenta anos, pouco depois de iniciar minha docência na PUC-SP. Naquele tempo, sentindo confiança nesse emprego, eu e muitos colegas nos mudamos para as imediações do campus. Por isso, embora eu tenha sido aposentado, continuamos vizinhos.
Da sala, avisto a paisagem delimitada pela Cardoso e pela João Ramalho: sua amada Bartira, a “flor de árvore”, fica para o lado da minha cozinha, não sendo possível vê-la dali. Na esquina, situa-se a banca de jornais do Pedro e da Fátima. Do outro lado da rua, a Fundação São Paulo (...).
Do meu quarto, em meio a tantos prédios, enxergo um pedaço do estacionamento e um trecho de cinco metros da Monte Alegre. Acima do arvoredo, eleva-se o telhado da torre da Capela. Bem a minha frente, faz algumas décadas um prédio branco se intrometeu na paisagem. Num cantinho à direita aparece um pedaço do Pico do Jaraguá; do lado esquerdo recebo a visita diária do Sol poente, que divide seu espaço com aviões e helicópteros. Lá de cima, esplendem as divinas Lua, Vênus e seu séquito estelar.
Mas a epifania a que aqui me refiro ocorreu com o início das aulas presenciais na universidade. Após dois anos assolados por luto, baixo astral e indignação, eis que a juventude retorna a nosso bairro e nos presenteia com sua esperança, alegria e novidades. Daqui do oitavo andar, ocorre-me o poema “As Pombas” de Raimundo Correia: ao descer do ônibus, caminhar pela calçada da João Ramalho ou subir a rampa do estacionamento, lá vem a primeira garota, ou rapaz, despertada, e outra mais, e mais outra. Enfim, às dezenas, elas e eles chegam e retornam, de manhã e à noite. Carregam suas mochilas, casacos, penteados e modas de todo tipo. No campus depositarão sonhos e construirão futuros, o deles e o deste país.
Ao nível do chão, os estudantes exalam um rastro de odores – perfume, lavanda, pasta de dente, chiclete e... feromônios. Como os periquitos verdes nas árvores, temperam os ruídos urbanos com sua alacridade, exclamam comentários acerca de colegas, das aulas e de quem as ministrou. Às vezes, rola um protesto, acompanhado de todos os rituais de hábito. Sua mera passagem alegra comércio e escritórios, funcionários dos prédios, moradores em compras e trabalhadores esperando condução.
Mas este bairro também lhes reserva uma esperança: daqui a três anos, a provável inauguração da estação PUC-Cardoso de Almeida do metrô. Da minha janela acompanho as obras. Quando vocês começarem a usar a Linha Laranja, a exemplo da universidade, se abrirão novas portas pelo mundo afora.