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Maria do Socorro Reis Cabral, professora do curso de Serviço Social
Está em curso no país um conjunto de medidas de caráter regressivo que liquida direitos sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores e inscritos na Constituição Federal - 1988, tais como a Contrareforma Trabalhista, a Terceirização ampla, o desmonte do SUS, a Contrarreforma Previdenciária, a Emenda Constitucional 95/16, relativa ao novo regime fiscal.
A Previdência Social é uma das políticas integrantes da Seguridade Social, inscrita no artigo 194 da Constituição Federal de 1988. Em sua construção histórica incorporou medidas de proteção [I1] demandadas pelos trabalhadores em sua luta histórica contra a exploração do trabalho
A Previdência Social brasileira tem em seu DNA a luta dos trabalhadores brasileiros, o que a tornou um patrimônio da classe que, no processo Constituinte, inscreveu avanços importantes no quadro da retomada das lutas populares e sindicais, no desenho de redemocratização do pais:
1. a incorporação da Seguridade Social, articulando as áreas de Saúde, Previdência e Assistência, sustentada por um conjunto de receitas, com fontes diversificadas de contribuições sociais, estabelecida no art. 195 CF-88, compreendendo:
- Contribuição dos empregados e empresas sobre a folha de salários
- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL)
- Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade (COFINS)
-Contribuições sobre Concursos de prognóstico
- Contribuição para o PIS-Pasep responsável pelo Financiamento do Programa de Seguro Desemprego
2. a irredutibilidade do valor dos benefícios;
3. a recomposição do valor dos benefícios que, no período da Ditadura Militar, foram submetidos a reajustes inferiores ao salário mínimo, ocasionando perdas significativas nesses valores;
4. a ampliação dos direitos previdenciários;
5. a isonomia entre trabalhadores rurais e urbanos.
O Projeto da Reforma Previdenciária do Governo Temer está consubstanciada na PEC 287/2016, e tramita no Congresso Nacional, cujo relator, na Câmara Federal, é o Deputado Arthur de Oliveira Maia (PPS – BA), que contou, em sua campanha eleitoral com aporte de recursos advindos de Instituições Financeiras e de Seguros.
Precede a Emenda da Reforma Previdenciária um conjunto de medidas, já aprovadas, a título de ajuste fiscal, que incidem diretamente na Seguridade Social:
1. Aumento do percentual de Desvinculação das Receitas da União de 20% para 30%, possibilitando que recursos do orçamento das áreas sociais, saúde, educação, assistência e previdência sejam destinadas não às despesas primárias do governo, mas às consideradas prioritárias para o governo e que se destinam à formação de superávit primário para o pagamento da dívida pública. Os gastos com a dívida pública alcançaram, em 2015, um montante de R$ 501,8 bi, graças à manutenção de taxas de juros elevadíssimas, uma das mais altas do planeta;
2. A Reforma Administrativa efetivada pelo governo implode o Ministério da Previdência Social que, até então, era o Ministério responsável pela elaboração, gestão e fiscalização da política previdenciária, incorporando-o ao Ministério da Fazenda.Com essa extinção, apenas a área operacional, sob a responsabilidade do INSS, foi para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Essa estratégia evidencia a lógica financeira que presidirá a Previdência Social no Governo Temer, em detrimento da lógica da proteção social, marca histórica da Previdência Social Brasileira.
É importante frisar que o atual Secretário de Previdência do Ministério da Fazendo é conselheiro da BrasilPrev, empresa que comercializa planos privados de previdência.
3. O Projeto de Emenda Constitucional – PEC 241/16, ao tramitar no Senado Federal, passa a denominar-se PEC 55/16 e após aprovação constitui-se na EC 95/16. A EC 95/16 estabelece teto para as despesas primárias da União, referenciadas no valor praticado no exercício anterior, e corrigido pela inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O regime fiscal aprovado congela por 20 anos os gastos, inviabilizando investimentos nas áreas sociais, mesmo que seja registrado crescimento econômico. Não considera, também, o aumento populacional que ocorrerá nos próximos 20 anos. O novo regime desconhece o peso das despesas com a dívida pública nas contas da União.
A quem interessa a Reforma previdenciária?
Os bônus da Reforma ficarão no setor bancário e financeiro. Segundo Denise Gentil, a simples divulgação do propósito da reforma da previdência gerou um aumento nas carteiras de seguro previdência dos bancos , no período de janeiro a outubro de 2016 da ordem de 42 bilhões de reais (depoimento da Professora Denise Gentil –prestado a Central do Servidor) [I2] [MdSRC3]
Também são ganhadores os detentores de títulos públicos, especialmente as instituições financeiras e os fundos de pensão que detém hoje 43% desses títulos que, remunerados com altas taxas de juros, garantem uma lucratividade fantástica, sem nenhuma exigência de geração de emprego e renda. Para manutenção das taxas de juros no atual patamar é preciso reduzir drasticamente os gastos sociais e a previdência respondeu por 22% da execução orçamentária da União, em 2015, valores que precisam ser reduzidos para garantia da remuneração desse capital rentista. Chamo a atenção para o fato que, no exercício de 2016, no período de janeiro a novembro, os gastos com a remuneração do capital rentista já eram superiores a 400 bilhões de reais.
Quem paga o ônus?
A regressividade da reforma faz recair sobre os trabalhadores perdas que fatalmente inviabilizarão o sistema de proteção previdenciária no país em tempos de precarização e altas taxas de desemprego, hoje, da ordem de 22 milhões. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT - em cada 3 desempregados no mundo 1 é brasileiro.
Além da perda geral que recairá sobre todos os trabalhadores existem segmentos da classe que que terão perdas dobradas, como:
- As mulheres terão a idade mínima majorada em 10 anos, em relação à situação atual e arcam com condições ainda desiguais no mercado de trabalho, além da dupla jornada;
- Os trabalhadores do campo que hoje tem condições protegidas de proteção previdenciária, por força das condições de trabalho vigentes no setor, perderão essas condições, e terão as regras iguais a dos urbanos, ou seja, 25 anos de contribuição e 65 anos de idade mínima;
- Os professores também passarão a ter as mesmas regras, desconhecendo-se a particularidade do exercício da docência e do desgaste a que estão submetidos esses trabalhadores;
- Os servidores públicos também passarão a ter as mesmas regras;
_ os usuários da assistência, idosos e portadores de deficiência estarão submetidos às novas regras e à redução de 50% no do Benefício de Prestação Continuada – BPC. Os efeitos serão acentuados sobre a proteção à população idosa que, por força do sistema de Aposentadorias, Pensões e do Benefício de Prestação Continuada, da Lei Orgânica da Assistência Social, a taxa de proteção ao idoso no país é da ordem de 84%, configurando uma das mais altas taxas no continente sul-americano.
- A Reforma incidirá negativamente sobre a renda, fator de dinamização da economia do país, na medida em que os benefícios previdenciários e o BPC sofrerão forte compressão com a desvinculação ao salário mínimo. Destaco que, em 82% e 70% dos municípios brasileiros a renda gerada com o recebimento de benefícios previdenciários é maior do que os recursos do Fundo de Participação dos Municípios e a arrecadação do município, respectivamente.
Desmistificando os argumentos oficiais:
É importante salientar que o argumento do Governo e seus aliados para defender a Reforma previdenciária articulam duas grandes falácias:
A falácia do déficit previdenciário expressa um verdadeiro conto das contas. Com a Constituição de 1988, a Previdência Social passa a compor a Seguridade Social (art. 194), juntamente com a Saúde e Assistência, o que implicou no estabelecimento de um conjunto de receitas na composição do orçamento da seguridade social (artigo 195).
A partir do Governo Sarney (1989) os recursos destinados para cobrir os gastos previdenciários se reportam exclusivamente às contribuições sobre a folha de salários, em total descumprimento ao preceito constitucional. Destaco que houve saldo positivo na execução orçamentária das receitas da Seguridade Social ao longo dos últimos 10 anos, o que significa que as demais receitas têm destinação diversa do preceito constitucional . A análise das contas previdenciárias feita pelo Governo Temer, e a vasta divulgação na mídia corporativa feitas pelos interessados na reforma, omitem as demais receitas que integram os recursos da seguridade, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade – COFINS; Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas, o percentual sobre os concursos de prognóstico. Com essa ocultação, falaciosamente omitem que o conjunto dessas receitas, em 2015, foi de R$ 202 bilhões.
Além de descumprir o preceito constitucional o governo retira recursos da Seguridade com o contingenciamento das Receitas da União – DRU, e faz cortesia com o chapéu alheio, quando estabelece isenções fiscais, o que totalizou uma retirada de recursos, em 2015, da ordem de R$ 60 bilhões e R$ 120 bilhões, respectivamente.
De acordo com a ANPFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - a Seguridade Social tem registrado saldo positivo ao longo dos últimos anos: em 2006, de 59,9 bi; em 2007, de 72,0; em 2008, de 64,3; em 2009, 32,7, em 2010, de 53,8; em 2011, de 75,7; em 2012, de 82,7; em 2013, de 76,2, e em 2014 de 53,9.
Segundo Fagnani, citando Filgueiras e Krein (Le Monde Diplomatique Brasil ano 10, nº 115, fevereiro de 2017) estima-se que 91 bilhões deixaram de ser arrecadados em 2015, pela falta de fiscalização sob fraudes cometidas por empregadores no recolhimento de suas contribuições sociais.
Por outro lado, as desonerações tributárias autorizadas sobre as fontes de financiamento pelo governo, em 2015, atingiram o montante de 158 bi.
Por todas essas razões demonstradas não há déficit na Seguridade Social; o saldo positivo seria bem mais expressivo e as gerações futuras não teriam que temer pelo futuro da Previdência Social, se fosse computado o que foi retirado com as desonerações da DRU, as isenções fiscais, o compromisso com a apurações rigorosas das fraudes e se valores fraudados fossem recuperados.
A experiência europeia tem apontado que a alternativa encontrada por alguns países, em tempos de reestruturação flexível, enxugamento dos postos de trabalho e registro de altas taxas de lucro, foi adotar o recolhimento sobre os ganhos de produtividade no financiamento da seguridade e recorrência ao fundo soberano, alternativa exitosa adotada na Noruega.
Ressalto aqui a importância do país realizar uma auditoria sobre a dívida pública, a exemplo do Equador que, segundo disse em Seminário (2017)a fiscal da Receita Federal Maria Lúcia Fatorelli (Auditoria Cidadã da Dívida, 2017, produziu uma redução, naquele país, no estoque da dívida de 70%. Outra medida importante é a abertura do caixa da Seguridade para uma CPI sobre o desempenho das receitas da seguridade e sua destinação.
Um segundo argumento utilizado pelo governo para justificar a Reforma diz respeito à falsa afirmação de que a Previdência brasileira não considera limite mínimo de idade para aposentadoria. Registre-se que a idade não é prevista como critério para a concessão de aposentadoria, mas ao incidir sobre o seu valor desde 1999, quando o Governo Fernando Henrique instituiu o Fator Previdenciário, cujo cálculo inclui a expectativa de vida projetada no pós-aposentadoria, a idade sim, é considerada e, mais esta medida também se constitui num fator para postergar o requerimento de aposentadorias.
A partir da Lei 13.183 de 4/11 /15 instituiu -se a fórmula 85/95, em que a idade e o tempo de contribuição são considerados para fins de aposentadoria. Essa Lei estabeleceu também uma progressividade com um acréscimo de 2 anos a cada ano, até que seja atingido a proporção 90/100, prevista para 2027.
Ao fixar a idade mínima para aposentadoria em 65 anos, para homens e mulheres e para os trabalhadores urbanos e rurais, a proposta Temer desconheceu as diferenças regionais que se expressam na desigualdade de condições e expectativas de vida, além das condições de trabalho existentes hoje no pais
Por todas as razões aqui apresentadas a Reforma Previdenciária está voltada à garantia de uma maior fatia do Fundo Público para o capital financeiro, em uma conjuntura de pós estabelecimento no país, de um golpe parlamentar-jurídico-midiático, impondo um Governo de políticos compromissados com as elites financeiras.
O desvelamento dos reais interesses embutidos na Reforma tem propiciado a elaboração de Notas Técnicas, denúncias e posicionamentos políticos pelo movimento sindical, pesquisadores e estudiosos da matéria, mobilizações e protestos de diversos setores e, mais recentemente atos conjuntos e unitários convocados pelas Centrais Sindicais, como a grande mobilização e paralisação do dia 15 de março de 2017 e o ato do dia 31 do mesmo mes, com manifestações massivas em todas as capitais e em algumas cidades e, qualquer tentativa de negociação dos direitos trabalhistas e previdenciários por alguma entidade de sindical, em favor da manutenção da contribuição sindical é uma traição à classe trabalhadora.
As manifestações do 8 de março do corrente ano, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, também tiveram como eixo um firme posicionamento contra o desmonte da Previdência Social.
Destaco ainda que, a partir do Fórum Contra a Reforma Previdenciária, está sendo elaborado um documento de denúncia à Corte Pan Americana de Direitos. Humanos de liquidação dos Direitos Previdenciários pelo Governo Brasileiro
Só as lutas dos trabalhadores poderão barrar esse processo, construindo um movimento capaz de alterar a correlação de forças presentes na sociedade brasileira.