Entrevista: relatório revela ano violento contra povos indígenas
Profa. Lucia Helena Rangel (Ciências Socioambientais) coordena documento lançado no último dia 30/9
Por Thaís Polato
O ano de 2019 foi triste e difícil para os povos indígenas brasileiros. Os dados que demonstram a dura realidade foram apresentados, no último dia 30/9, pelo relatório anual Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2019.
O documento é coordenado, desde 2005, pela profa. Lucia Helena Rangel (vice coordenadora do curso de Ciências Socioambientais) e produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Sistematizado em três capítulos principais e 19 categorias, oferece um retrato das diversas formas de violência praticadas contra os povos indígenas em todo o país, como violações dos direitos territoriais, invasões contra terras indígenas, ameaças, assassinatos e omissão do poder público.
A edição de 2019 também apresenta análises sobre a realidade do Brasil indígena no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. “Desde que o relatório começou a ser feito, nunca os dados demonstraram tamanha crueldade e desrespeito aos povos indígenas”, afirma Lucia Helena. “Este é um governo anti indígena, que prometeu que não ia demarcar nenhum milímetro de terra, que prometeu que abriria as terras indígenas e, infelizmente, cumpriu. A consequência disso é a enorme violência que estamos vendo acontecer”, ressalta.
Segundo os dados coletados, houve mais casos de violência em 16 das 19 categorias sistematizadas pela publicação. Uma das informações que mais chamam a atenção é o grande aumento de registros na categoria “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”: o número de registros subiu de 109 casos, em 2018, para 256 casos, em 2019.
Além da falta de reconhecimento do direito originário às terras indígenas, o relatório aponta ainda outra preocupação relacionada. “Historicamente, a presença dos povos dentro de seus territórios faz com que eles funcionem como verdadeiras barreiras ao avanço do desmatamento e de outros processos de espoliação. Tais áreas são as que mais protegem as matas e os seus ricos ecossistemas. No entanto, os dados de 2019 revelam que os povos e seus territórios tradicionais estão sendo, explicitamente, usurpados”, alerta o documento.
A “explosão” de incêndios criminosos na Amazônia e no Cerrado ocorridos em 2019, por exemplo, deve ser inserida nessa perspectiva. “Muitas vezes, as queimadas são parte essencial de um esquema criminoso de grilagem, em que a ‘limpeza’ de extensas áreas de mata é feita para possibilitar a implantação de empreendimentos agropecuários”, avaliam os organizadores.
Clique aqui para acessar o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2019.
Leia, a seguir, a entrevista concedida pela profa. Lucia Helena Rangel ao j.pucsp.br.
JPUC – Quais as principais conclusões do relatório?
Lucia Helena Rangel – As principais conclusões foram a constatação do aumento do número de casos de violência, durante o ano de 2019. É um aumento muito assustador não só na quantidade, mas também nas características das violências praticadas. É uma brutalidade muito grande, as agressões são bastante violentas. Há casos de tortura, de invasão de terras, tiroteios, enfim, é um mundo muito cruel sobre a população indígena.
JPUC – Quais dados chamam mais atenção no que se relaciona ao atual governo federal?
LHR – Foi o primeiro ano deste governo, que incentivou as invasões e a prepotência sobre as comunidades indígenas. O resultado é esse, terrível, tanto do ponto de vista do ministro do Meio Ambiente, que se manifestou explicitamente, como do presidente da República. Para se ter uma ideia, muitas das violências constatadas no relatório vinham acompanhadas de depoimentos, áudios dos garimpeiros e madeireiros ilegais que diziam que estavam fazendo “o que o presidente mandou”. Então, é um governo anti indígena, que prometeu que não ia demarcar nenhum milímetro de terra, prometeu que ia abrir as terras indígenas e cumpriu. A consequência disso é uma enorme violência.
JPUC – O que o relatório pode apontar para políticas públicas futuras voltadas à melhoria das condições dos povos indígenas brasileiros?
LHR – É até curioso ter que falar disso, porque a gente sabe o que deve ser feito. Se a Constituição Federal for cumprida, não haverá conflito! As determinações do papel da Funai, o atendimento de saúde, a educação escolar indígena... essas políticas já estão todas traçadas, é só executá-las, cumpri-las. Infelizmente, quando a gente acha que vai dar um passo adiante neste sentido, acabam sendo dados muitos passos para trás.
JPUC – Como foi sua participação no relatório e como ele é elaborado?
LHR – Desde 2005, coordeno a pesquisa e o relatório. Naquele ano, optamos por este formato e passamos a construir uma metodologia, um modo de coletar e apresentar estes dados. A pesquisa é feita com dados que vem de todos os Estados, por meio de vários instrumentos que fomos aprimorando ao longo dos anos. Alguns deles são as fichas que os missionários do CIMI preenchem e as notícias publicadas sobre o tema, inclusive por veículos de cidades bem pequenas. Também usamos, claro, os dados dos órgãos oficiais e as denúncias recebidas diretamente das comunidades indígenas, além dos boletins publicados pelo Ministério Público.
Assista a seguir à live de lançamento do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2019.