PUC-SP e entidades da sociedade civil fazem da memória um ato de resistência
Atividade que lembrou os 46 anos da invasão da PUC-SP durante a ditadura militar foi seguida de colocação de placa simbólica, dando o nome de “rua Nadir Kfouri” à esquina do Tuca
“O principal valor da democracia é saber construir um mundo em que a memória de alguma forma nos educa. Esse também é um valor da PUC-SP. Lembrar é resistir”, afirmou a reitora Maria Amalia Andery, na abertura do ato que marcou os 46 anos da invasão da PUC-SP pelas tropas da polícia militar, em setembro de 1977, sob o comando do cel. Erasmo Dias. A truculenta ação ficou marcada na história da Universidade, deixando um rastro de violência e destruição (leia mais abaixo).
Realizado no Tucarena, neste dia 25/9, o ato foi organizado em parceria da PUC-SP com a Comissão Arns, Instituto Vladimir Herzog, UNE, Núcleo Memória, OAB-SP e C.A. 22 de Agosto. O evento tem também o apoio do “PUC-SP pela Democracia”, APG PUC-SP, Grupo Prerrogativas, C.A. Benevides Paixão e Coletivo Saravá.
O evento contou com diversos depoimentos, tanto de pessoas que estavam na universidade no dia da invasão ou que lutavam contra a ditadura naquele período quanto de lideranças atuais. Além disso, a cantora Daniela Mercury, que integra a Comissão Arns, se apresentou em companhia do músico Marcelo Quintanilha.
Rua Nadir Kfouri
A memória como forma de resistência também foi pontuada por mais um aspecto este ano, marcado pela aprovação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de um projeto de lei em homenagem a Erasmo Dias. A proposta foi promulgada em 28 de junho de 2023.
“Falar de Dom Paulo Evaristo Arns e da minha tia Nadir Kfouri (respectivamente grão-chanceler e reitora da PUC-SP no momento da invasão) num mesmo evento que se fale de Erasmo Dias é quase uma heresia”, afirmou o jornalista Juca Kfouri. “Se faz necessário, mais do que nunca, que não permitamos que Erasmo Dias seja nome de coisa alguma em lugar nenhum, que lutemos pela desmilitarização das PMs, e que sempre se diga: viva a PUC-SP, viva os estudantes do Brasil”, concluiu o jornalista. Em seguida, Juca recebeu uma placa em homenagem à sua tia Nadir, que foi reitora da PUC-SP de 1976 a 1984.
Uma placa igual foi colada na esquina das ruas Monte Alegre e Bartira, exatamente no local onde acontecia o ato de retomada da UNE em 1977 quando houve a truculenta invasão das tropas de Erasmo Dias. Simbolicamente, o local agora se chama “rua Nadir Kfouri”.
“46 anos depois, a PUC-SP continua comprometida com essa experiência porque, por mais difícil que tenha sido, ela refundou nossa Universidade. Estamos aqui, estamos fortes, estamos prontos a continuar, a defender uma universidade e uma sociedade onde se pode pensar, fazer diferente e lutar por um mundo melhor”, concluiu a reitora Maria Amalia, que também representou o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo e grão-chanceler da PUC-SP.
A noite da invasão
O 22 de setembro de 1977 ficou marcado para sempre na história da PUC-SP.
Naquela noite, por volta das 21h, estudantes faziam um ato público na porta do Tuca para celebrar a realização do 3º Encontro Nacional de Estudantes, proibido pelo regime militar. O grupo comemorava também a reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que atuava na clandestinidade.
Tropas comandadas pelo cel. Erasmo Dias, então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, chegaram ao local, atiraram bombas sobre os manifestantes e entraram violentamente na Universidade, prendendo professores, funcionários e alunos, além de deixar inúmeros prejuízos materiais na estrutura do campus.
Em seguida, os policiais levaram as pessoas, sob ofensas e golpes de cassetetes, para um estacionamento que havia na esquina das ruas Monte Alegre e Bartira, em frente ao Tuca. No local, fizeram uma triagem que resultou na detenção de quase mil pessoas, levadas para o prédio do Batalhão Tobias de Aguiar. Vinte e cinco estudantes ficaram feridos, alguns com fortes queimaduras.
A PUC-SP se destacava no cenário nacional por sua luta pela redemocratização, tendo à frente a reitora Nadir Kfouri e o grão-chanceler Dom Paulo Evaristo Arns. Naquele mesmo ano de 1977, em julho, já havia sediado a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, proibida de acontecer em universidades públicas. Internamente, também tinha um caráter democrático mal visto pelo regime militar, ao criar suas associações de professores e de funcionários e ao eleger pela primeira vez no país uma reitora pelo voto direto de sua comunidade, em 1980.
Sete anos depois da invasão, a Universidade ainda sofria as consequências de seu forte posicionamento em favor da democracia. Em 1984, o Tuca sofreu um incêndio. Mesmo com fortes suspeitas de ter sido um ato criminoso, o laudo da perícia apontou um fenômeno termoelétrico como a causa do fogo. Em 13 de dezembro do mesmo ano, o teatro foi novamente incendido. Desta vez, no entanto, os peritos concluíram que havia sido um ato criminoso.
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