Artigo: "Ora et labora et legere - o tripé espiritual de São Bento de Núrsia"

Texto escrito pelo prof. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor, área de Ciencia da Religião, FACSOC, PUC-SP

por Redação | 12/07/2024

Que é a oração? É uma resposta ao Deus, Pai de Jesus, que fala conosco tomando sempre a iniciativa. Deus ama por primeiro. Quem pensa em Deus está com Ele. Quem se aproxima de Deus querendo nele permanecer percorre pela ponte da oração o caminho de Deus. Pensar em Deus com o coração é viver mergulhado no amor eterno, como professa o Salmo 32,11. Afinal, o coração da pessoa humana foi criado para amar. E o amor ofertado aos outros e ao mundo manifesta Deus. Deus ama amando. As pessoas amam crendo. Mesmo sem ter consciência, todos os que amam professam Deus, ainda que não pronunciem o nome do Altíssimo. Quem vive no amor nunca morre sem o Amor. Deus não abandona quem ama. Deus é Amor. Nós, humanos, quanto mais pensamos naqueles que amamos, mais os sentimos perto de nós. Pensar na pessoa amada aquece o coração. Há orações contemplativas e orações ativas feitas durante o trabalho de cada dia. Quanta gente reza nos ônibus, nos trens e ao fazer o almoço da família. Do equilíbrio de ambas (ativa e contemplativa) é que brota o mundo novo. 
São Bento de Núrsia (480-547) até propunha um tripé na vida dos monges: “ora et labora et legere”: que podemos traduzir por “reze, trabalhe e estude”. 

Há orações curtas que o povo guarda na memória: as jaculatórias, do latim, iaculari, cujo significado é lançar flechas ao coração de Deus, por serem essas orações sempre breves e velozes dirigidas ao Criador ou Jesus, seu Filho. Por exemplo: “Jesus, manso e humilde de Coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso”. Ao lançar tais flechas ao Coração divino, confiamos que faça brotar aquela perfumada chuva de graças a quem clama e insiste com Deus. Assim ensinava Raimundo Lúlio: “Interrogaram o amigo de onde nascia seu amor, de que vivia, e por que morria. Respondeu que o amor nascia da lembrança, vivia de inteligência e morria por esquecimento. Esqueceu o amigo tudo quanto está embaixo dos céus, a fim de que a inteligência pudesse subir mais alto e conhecer o Amado, que a vontade deseja apregoar e contemplar” (LULLIO, Raimundo. Livro do amigo e do Amado. São Paulo: Loyola, 1989. p.  p. 85). 
Rezar pressupõe a fé, certamente. Ainda que possam existir orações de ateus e descrentes, os quais Deus também escuta e ama. A fé floresce diariamente e pode irromper de maneira misteriosa. Quem sofre contratempos e amarguras, pode descobrir a fonte da esperança. Quem reza não sabe tudo nem pode tudo. Será sempre um mendigo de Deus pedindo consolação, bênçãos e graças. 

Quem tem segredos de amor sempre descobre o segredo de Deus. Rezar é estabelecer essa conversação entre corações apaixonados. É essa troca de olhares, palavras, sentimentos, silêncios entre um “eu” e o Tu maior, que é Deus. Rezar é entrar em ebulição tal qual água no fogo. Rezar é esticar horizontes para seguir caminhando, mesmo quando tudo parece perdido. A Bíblia Sagrada está recheada de orações e cantos de louvação. Um desses livros se tornou referência para a Igreja que reza. Chama-se Saltério ou Livro dos Salmos. São 150 orações de diferentes estilos. Os salmos são a escola de oração do povo semita. Belos, diretos e fortes. 

Rezar não é romântico silêncio ou sentimento catártico. Não se dá no grito ou em explosões emotivas das massas. Os grandes místicos sempre alertam para que os que rezam evitem o prejuízo da emoção. Vemos isso abundantemente hoje em grupos carismáticos e pentecostais. São desvios graves da oração fecunda e profunda. Assim escreve o monge trapista Thomas Merton (1915-1968): “Uma meditação que poderia ser boa chega a ser prejudicada pela emoção. O efeito espiritual da graça ver-se-á frustrado, a vontade permanecerá inerte, enquanto a ideia que se apresenta em germe ficará estéril, devido ao sentimentalismo. Os que pensam dever sua meditação culminar num rebuliço de emoções caem em um ou dois erros. Constatam que suas emoções degeneram em secura e que a oração lhes aparece sem ‘fruto’. Daí concluem que perdem tempo, e abandonam todo esforço, a fim de satisfazer sua sede de sensações de qualquer outro modo. A versatilidade emocional é uma ajuda no início da vida interior, mais tarde poderá ser um obstáculo ao progresso. No início, quando nossos sentidos se deixam facilmente atrair pelos prazeres criados, nossas emoções nos impedirão de nos voltarmos para Deus, a não ser que lhes seja dado sentir alguma satisfação e a consciência do valor da oração. Assim, o gosto das coisas espirituais tem de se iniciar sobre base humilde e terrena em relação aos sentidos e às emoções. Mas, se a nossa oração terminar sempre por prazer sensível e consolação interior, correremos risco de nos repousar nessas coisas que, de modo algum, constituem o termo da viagem. Há sempre perigo de iluminismo e falso misticismo, quando os que se deixam facilmente levar pela fantasia e emoção tomam demasiadamente a sério os impulsos, vivos e intensos, que experimentam na oração, imaginando ser de Deus a voz de seus próprios sentimentos exaltados. A atmosfera própria à meditação é de tranquilidade, paz e equilíbrio. Uma boa meditação pode muito bem ser ‘seca’, ‘fria’ ou ‘obscura’” (MERTON, Thomas. Direção espiritual e meditação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2022. p. 71.). 

Queridos/as amigos/as:
Na festa de São Bento, partilho as palavras ungidas de uma santa muito amada, Teresa de Ávila, carmelita: "Rezar não é tanto pensar, mas muito amar; estar muitas vezes tratando d amizade, a sós, com Aquele que sabemos nos ama". 
Guardemos o tripé beneditino no coração e nas mãos: Ora et labora et legere.

 

Texto: prof. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor, área de Ciencia da Religião, FACSOC, PUC-SP.

PARA PESQUISAR, DIGITE ABAIXO E TECLE ENTER.