PUC-SP sedia encontro de reitores de universidades comunitárias promovido pela ABRUC
A reitora Maria Amalia Andery recebeu o prêmio Mérito Educação Comunitária pela sua...
Redigido pelo prof. Fernando Altemeyer Junior (Ciências Sociais)
As canonizações pontifícias entre os anos 1588 e 2019 proclamaram 835 homens e 221 mulheres como santos e santas católicas ao incluir seus nomes e memórias no livro oficial da Igreja. Há perto de 11.300 santos/as e beatos/as na Igreja Católica anotados neste livro: Martirológio Romano. O papa Pio IX canonizou 63 santos em duas cerimônias. O papa Leão XIII canonizou 149 santos em quatro cerimônias. O papa Pio X canonizou 32 santos em duas cerimonias. O papa Bento XV canonizou três santos em duas cerimonias. O papa Pio XI canonizou 36 santos em 17 cerimonias. O papa Pio XII canonizou 34 santos (20 cerimônias). O papa São João XXIII canonizou dez santos (sete cerimônias) e inscreveu quatro beatos no livro da Igreja Católica. O papa São Paulo VI canonizou 86 santos (21 cerimônias) sendo 74 homens e 12 mulheres. O papa São João Paulo II canonizou 358 homens e 125 mulheres, no total de 483 santos (em 50 cerimônias) e 1.341 beatos. O papa Bento XVI canonizou 26 homens e 19 mulheres, no total de 45 santos (em 10 cerimônias) e outros 869 beatos, entre homens e mulheres. Em 13/10/2019, por exemplo, o papa Francisco canonizou quatro mulheres e um homem. Desde o início do papado em 19/03/2013 já são 60 homens e 25 mulheres inscritas no livro litúrgico da Igreja como santos, sem contar os 812 mártires de Otranto, que não são identificados por sexo. O Papa Francisco reconheceu publicamente 911 santos em 16 cerimônias, bem como 1.454 beatos, inscritos no Martyriologium Romanum (até março de 2023).
A maioria dos/as canonizados/as é composta por pessoas oriundas da vida religiosa consagrada (irmãs religiosas) ou clérigos (bispos, sacerdotes, frades e freiras, monges e monjas, etc.) com forte peso masculino. Podemos pensar que a preponderância masculina é resultado da própria organização masculina da Igreja Católica, na qual homens ocupam postos de maior destaque. Seria a matriz da cultura ocidental e seus mecanismos patriarcais que não reconhecem o valor e a dignidade das mulheres cristãs? Ou a falta de representação sacramental é o que as mantém nas sombras? Seria uma leitura misógina da Bíblia Sagrada que escondeu o testemunho e as palavras de tantas mulheres profetizas e matriarcas de Israel? Por que a voz e a primazia de Santa Maria Madalena foi invisibilizada?
A instituição católica no último milênio reduziu as mulheres a funções subalternas e em muitos casos à invisibilidade. Mesmo que a catequese, o tesouro da fé, as tradições familiares estivessem em mãos, corações e pensamentos das mães e mulheres, o reconhecimento público de santidade e mesmo os processos passam pelo filtro do masculino. Em alguns casos, inclusive, há marcas de misoginia entre bispos e clérigos, que impedem mulheres de emergir como um exemplo de vida evangélica. Vale citarmos as místicas, em particular a beguina Marguerite Porete (1250 +01/06/1310) autora de O Espelho de Almas Simples, sentenciada à morte pela inquisição e queimada viva na fogueira na Praça da Greve, em Paris, tendo nas mãos o seu próprio livro. Outra figura exemplar foi Mechthild ou Matilda de Magdeburg (1207 +1282), que escreve em alemão o livro Das fließende Licht der Gottheit (a luz que flui/emana da divindade) com as suas visões místicas de Deus.
Há que se dizer, entretanto, que há figuras femininas de alta luminescência em cada século cristão: Tecla de Icônio, Santa Luzia, Santa Bárbara da Nicomédia, Santa Monica de Tagaste, mãe de Agostinho, e na idade moderna Santa Clara de Assis, Joana d´Arc e Santa Rosa de Lima (Maria Cecilia Domezi, Mulheres que tocam o coração de Deus, Petrópolis: Vozes, 2019). São mulheres santas tão eminentes que seu testemunho se expande em escala geométrica. A pesquisa histórica mostra que há a hegemonia do masculino eclesiástico, embora haja exceções em épocas particulares. Entre os anos 1200 e 1300 aconteceu um acréscimo de canonizações de santas maior que o número de homens. Poder-se-ia dizer que foi o século da santidade feminina. Fenômeno que irá se repetir em meados dos anos 1400. Isso significa que houve algumas épocas mais femininas que outras, embora a proporção global dos homens inscritos no Martirológio Romano é de quatro homens para cada mulher. Diz este renomado livro litúrgico: “A comemoração litúrgica dos Santos tem como finalidade não só propor o exemplo dos Santos à imitação dos fieis, mas, mais ainda, fortalecer no Espírito a união de toda a Igreja (cf. Ef 4,1-6). Porque assim como a comunhão cristã entre os que peregrinam neste mundo nos aproxima de Cristo, também o convívio com os Santos nos une a Cristo, do qual dimana, como sua fonte e cabeça, toda a graça e a própria vida do Povo de Deus (Conferencia Episcopal Portuguesa, Martirológio Romano, Coimbra: Secretariado Nacional de Liturgia, 2013, p. 15)”. Como a hierarquia católica é unicamente masculina, as mulheres conduzidas à veneração se torna algo extraordinário. Entretanto, alguns papas não puderam esconder a forte luz emergente das santas mulheres em épocas de transição sócio cultural. Precisaram resolver o enigma para não serem engolidos pela memória histórica: poderia alguém descrever a Espanha do século XVI sem a poesia, a cultura e a rebeldia de Santa Teresa de Ávila, nascida Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada? Não! Calar diante de tal mulher é impossível racionalmente! Foi preciso canonizá-la! Da lista de 37 doutores da Igreja temos 33 homens e quatro mulheres santas e sábias reconhecidos por sua fé densa, profunda e transparente: Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux, Hildegarda de Bingen e Catarina de Siena.
A organização das mulheres religiosas no mundo adquiriu uma força pública que tem força vulcânica e investe financeira e simbolicamente para que a madre fundadora ou uma das abadessas ou religiosas seja canonizada pela Igreja. Isso se torna uma ação eficaz e fez acontecer o raro e o difícil. Se pesquisarmos a história católica desde 1588 vemos que apenas três papas canonizaram um número expressivo de mulheres:
* Inocêncio II, batizado Gregório Papareschi, um romano que governou entre 1130-1143 a diocese de Roma, envolvido no cisma do anti-papa Anacleto II, da família inimiga dos Pierleoni, que se apoderou de Roma e fez Inocênio precisar fugir e viver longas peregrinações. Seria isso a marca de sua valorização das mulheres santas? Teria sido influência de sua mãe?
* Clemente XI, nascido em Urbino, batizado Giovan Francesco Albani, governou entre 1700-1721, considerado um homem culto e amante das artes. Precisou enfrentar o jansenismo recalcitrante. Seria o amor às artes que o fez sensível ao feminino?
* Bento XVI, batizado Joseph Alois Ratzinger, alemão nascido em Marktl am Inn, diocese de Passau, governa de 2005-2013 e elevou à honra dos altares 19 mulheres. Creio que podemos dizer que a sua sensibilidade ao feminino advém de duas fontes primárias: sua mãe Maria, da família artesã de Rimsting e seu gosto estético forjado no barroco bávaro e pelo cultivo da música de Amadeus Mozart (Breves biografias de todos os papas, Roma: Lozzi Roma, 2005).
A primeira é santa Hildegard von Bingen (*1098, em Bermersheim vor der Höhe e falecida em 17/9/1179 em Bingen), monja beneditina, conhecida como a Sibila do Reno. Mística alemã e abadessa marcada por visões e revelações místicas. Fluente em alemão e latim. Escreveu: Liber Scivias Domini; Liber vitae meritorum; Liber divinorum operum; Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum; Symphonia armonie celestium revelationum (77 peças); Ordo virtutum; Língua ignota; Expositiones Evangeliorum; Explanatio Regulae Sancti Benedictini; Explanatio Symboli Sancti Athanasii; Solutiones triginta octo quaestionum, e cerca de 400 cartas. Canonizada de forma equipolente pelo Papa Bento XVI e proclamada doutora da Igreja em 2012. Impressiona seu pensamento complexo como teóloga, compositora, pregadora, naturalista, médica informal, poetisa, dramaturga, escritora alemã e mestra do Mosteiro de Rupertsberg na cidade de Bingen am Rhein, na Alemanha. O que mais me impressiona em sua inteligência e sagacidade foi a invenção de um idioma e escrita artificiais chamadas por ela de língua ignota (língua desconhecida), com alfabeto específico de letras distintas. Era composta de novecentas palavras inventadas para descrever os seres fantásticos que via em suas visões. Incluía termos de uso litúrgico, aspectos e objetos da vida cotidiana do mosteiro. Diz Hildegard que a língua e as letras lhe foram reveladas por Deus em associações místicas. A língua ignota servia também como código secreto para comunicação das monjas em presença de estranhos ou autoridades eclesiásticas masculinas. Certamente uma feminista antes de Simone de Beauvoir.
A segunda mulher a ser destacada é a doutora da Igreja Santa Catarina (Benincasa) de Sena (nascida em Siena em 1347 e falecida em 29/04/1380). Era a caçula de 25 filhos de pais paupérrimos, franzina e doente por toda a vida. Membro da Ordem Terceira dos dominicanos marcada por profunda vida mística e ação fortemente política em tempos conturbados. Foi fundamental para o retorno do papa Gregório XI (Pierre Roger de Beaufort) a Roma em 1377, concluindo o seu exílio em Avignon. Era fluente em italiano. Ditou 373 cartas; 26 orações; quatro tratados da Divina Doutrina e o Diálogo sobre a divina providência, morrendo com apenas 33 anos. Foi canonizada em 1461. Proclamada a segunda mulher doutora da Igreja em 04/10/1970 por São Paulo VI. Em 01/10/1999 foi nomeada co-patrona da Europa com Santa Edith Stein e Santa Brígida da Suécia, pelo papa São João Paulo II. Impressiona como uma leiga analfabeta tenha sido o ponto de mutação de seu tempo e para sua Igreja.
Desde a década de 1950 contemplamos a pujante revolução feminina, que o papa São João XXIII chamará de prodigioso sinal dos tempos ao qual a Igreja deveria estar atenta e assumir. Esse fenômeno inédito na história da humanidade será a pedra-de-toque da Igreja. Saberá a instituição converter-se e reconhecer a força da mulher? Saberá ver as lutas e testemunho de santidade no cotidiano das mulheres sem condenar ou pré-julgar? Eis o chamado que o papa Francisco propôs na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate no número 7: “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’
As candidatas mulheres aos altares são centenas no orbe católico. Nas terras brasileiras podemos citar a Beata Nhá Chica de Baependi, de Minas Gerais (*1810 +14/06/1895); Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, Beata Maria de Araújo, de Juazeiro, no Ceará (24/05/1862 +17/01/1914); Irmã Alberta Girardi, religiosa orionita italiana que viveu entre os sem-terra e sem teto em São Paulo (24/10/1921+30/12/2018); Irmã Dorothy Mae Stang, freira norte-americana assassinada em Anapu-PA (07/06/1931 +12/02/2005); Margarida Alves, líder camponesa e mártir nordestina, morta em Alagoa Grande, na Paraíba (05/08/1933 +12/08/1983); Irmã Adelaide Molinari, religiosa das Filhas do Amor Divino, santa da Amazônia (02/02/1938 + 14/04/1985); doutora Zilda Arns Neumann, falecida no terremoto no Haiti, líder em favor das crianças, adolescentes e pessoas da terceira idade na América Latina (25/08/1934 +12/01/2010); irmã sunta Marchetti, das missionárias de São Carlos sempre ao lado dos imigrantes e órfãos em São Paulo; irmã Genevieve Helene Baoyé, nascida na Lorraine, na França em 1923, que se fez companheira da nação Apyãwa, conhecidos como povo Tapirapé, onde foi batizada como Veva Tapirapé, convivendo durante 60 anos, até a morte em 24/09/2013. Ela se fez indígena com o povo que amou. Foi enterrada com os ritos funerários do povo Tapirapé dentro de sua maloca. Exemplos de encarnação que estão dando muito fruto em tempos de dor.
Santa Teresinha do Menino Jesus, carmelita, que foi a primeira santa de quem temos uma fotografia, nascida como Marie-Françoise-Thérèse Martin, teve os prazos canônicos de procedimento na Santa Sé consideravelmente abreviados pelo papa Pio XI. Morreu em 1897 e foi canonizada em 1925.
A jovem mártir italiana Maria Goretti, assassinada a golpes de faca, teve como testemunha no processo de sua glorificação como mártir da pureza, o próprio carrasco, convertido em asceta. Maria Goretti foi morta em 1902, beatificada em 1947 e canonizada em 1950.
A primeira santa indígena Kateri Tekakwitha, nativa norte-americana convertida em 1676, era filha de um iroquês pagão e de uma algonquina cristã. Santa Rosa de Lima é a primeira santa da América do Sul, padroeira do Peru, das Filipinas e de toda a América Latina. Nascida em Lima (Peru) em 1586; filha de pais espanhóis chamava-se Isabel Flores. A primeira santa russa é santa Olga, inscrita no calendário litúrgico pelos bizantinos. Nasce em 890, na aldeia chamada Vybut, perto de Pskov, filha da nação Variagi. Faleceu em 11/07/969. O culto cristão ortodoxo foi instituído no Concílio Russo de 1574.
A primeira santa africana é a sudanesa Josephina Bakhita, nascida em 1869. A primeira santa asiática segundo uma antiga tradição popular é santa Lídia, pagã vinda do mundo grego, que havia se convertido ao judaísmo e que se fará cristã ouvindo a pregação do Apóstolo Paulo na cidade de Filipos, porto do Mar Egeu, no ano 55 da era cristã. A primeira beata da Oceania é Mary MacKillop, morta em 1909, beatificada pelo papa João Paulo II em 1995 e canonizada em 17/10/2010. Assim proclamou o papa polonês: “a Igreja, ao declará-la beata, diz que a santidade invocada pelo Evangelho é australiana como ela era australiana". Clique aqui e saiba mais.
Em tempos atuais onde o feminino é a pedra-de-toque da conversão eclesial, será preciso audácia para reconhecer o ministério e a ação evangelizadora das santas mulheres: “Muitas mulheres se mostram virtuosas, mas tu superaste-as a todas. A graça é enganadora e vã a beleza; a mulher que teme o Senhor é que será louvada. Dai-lhe o fruto das suas mãos e suas obras a louvem às portas da cidade (Prov. 31,29-31)”. A santidade no mundo sempre precisa de úteros e do cuidado feminino como virtude universal.