Entrevista com o professor Johannes Beutler

Docente tem reconhecimento mundial como pesquisador na área de Exegese da Literatura Joanina

por Redação | 22/08/2018

A convite do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC-SP e do Grupo de Pesquisa Literatura Joanina (LIJO), o Prof. Dr. Pe. Johannes Beutler SJ lecionou, entre os dias 1º e 10/8, a disciplina "História Social do Antigo Israel e do Cristianismo Primitivo", no Mestrado em Teologia. O professor Beutler tem reconhecimento mundial como pesquisador na área de Exegese da Literatura Joanina. Hoje emérito, lecionou na Faculdade de Filosofia e Teologia St. Georgen em Frankfurt (Alemanha), no Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália) e na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma.

Leia a seguir entrevista concedida pelo prof. Beutler ao prof. Matthias Grenzer, coordenador do Pós em Teologia da PUC-SP. Crédito da foto: Pe. Leonardo da Silva.

Quais foram, nos últimos tempos, os maiores progressos na compreensão e interpretação do Evangelho segundo João?
Desde os tempos antigos, o Evangelho de João tem sido compreendido como "Evangelho espiritual". Foi entendido como um Evangelho que atrai o indivíduo e lhe mostra um caminho interior para a salvação. O Jesus desse Evangelho parecia mais distante das preocupações do dia a dia, das quais os Evangelhos mais antigos ainda falam. Hoje vemos o Quarto Evangelho como um escrito que se baseia nas riquezas de Israel. Não se dirige ao indivíduo, mas, sobretudo, à Igreja e ao povo de Deus. Jesus é o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas. Ele fala a linguagem das Sagradas Escrituras de Israel. Veio para salvar não almas mas sim o povo de Deus formado por judeus e gentios.
Às vezes se diz que os três primeiros Evangelhos ainda falam do Reino de Deus, mas não mais o quarto, que somente falaria da realeza de Jesus. Isso não me parece ser correto. Paulo diz em Romanos 14,17: “O Reino de Deus não é comida e bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”. Tudo isso também se encontra no Evangelho segundo João. No capítulo 14 (vv. 25-29) e no 16 (vv. 4-33), Jesus promete a seu povo os dons do Espírito, da paz e da alegria para o momento futuro de sua nova vinda, e, no capítulo 16, os mesmos dons mais a justiça. E, no dia da Páscoa, Jesus dá esses dons a seus discípulos (João 20,19-23). Cumprimenta-os com a saudação da paz, sendo que eles se alegram. E lhes dá o Espírito Santo para a remissão dos pecados. Isso não é nada diferente do que é o Reino de Deus, do qual o Jesus dos outros Evangelhos e Paulo falam.

Quais são as alegrias e tristezas do senhor quando pensa sobre como a Igreja e a sociedade se relacionam com o Evangelho?
Especialmente desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica redescobriu as Sagradas Escrituras. Em muitas partes da Igreja, elas são lidas novamente, não apenas por indivíduos, mas também por comunidades e grupos. Penso, por exemplo, no cardeal Martini, a quem pude conhecer bem. Ele se tornou arcebispo de Milão em 1980. Havia ensinado Ciências Bíblicas em Roma e agora tentava aproximar as Sagradas Escrituras à sua diocese. Quando, nos domingos, interpretava os textos bíblicos na Catedral de Milão, milhares de jovens iam ouvi-lo. Algo assim não fica sem consequências numa metrópole. Durante anos, o cardeal Martini pregou retiros a seus sacerdotes, bem como a religiosos(as) e leigos(as), em geral baseados nas Sagradas Escrituras. Isso os(as) ajudou a levar a Palavra de Deus às suas comunidades.
Na América Latina, as Sagradas Escrituras também ajudaram a viver a fé e torná-la eficaz nas comunidades. Nem sempre tal dinâmica se manteve. Com isso, surge o perigo de os cristãos procurarem pela Palavra de Deus em outras comunidades cristãs, onde, às vezes, não se busca Jesus, mas se visa ao dinheiro e se rejeita a Doutrina Social da Igreja.

Quais esperanças o senhor cultiva em relação à Igreja Católica na América Latina e, especialmente, no Brasil?
De Medellín a Aparecida, houve Conferências Episcopais que traduziram o Evangelho e o Concílio Vaticano II para o mundo da América Latina. Desde o início, a Igreja adotou a opção preferencial pelos pobres. Esta é uma tarefa duradoura. Na verdade, ela vai se tornar cada vez mais importante, uma vez que a distância entre ricos e pobres parece aumentar. Cheio de esperança, esperamos pelo Sínodo sobre a Amazônia, em 2019. Ele deve servir para manter essa grande reserva natural, mas também abrir portas para uma nova pastoral que permita o acesso aos sacramentos em locais remotos, a começar pela Eucaristia.
Como em qualquer outro lugar do mundo, o problema da atividade governamental responsável também está presente na América Latina. Em 2006, pude organizar uma Semana Bíblica em Bogotá, a convite da Conferência Episcopal Colombiana. Escolhi como texto-base o discurso de Jesus sobre o Bom Pastor (João 10). Nesse texto, não se visa a Jesus como pastor das almas, mas à governança responsável em vista do bem comum. A pergunta é: quem conduz o povo de Deus, sem cultivar interesses particulares? Os dignitários judeus, que com frequência somente se interessavam por suas vantagens pessoais, ou Jesus, que estava disposto a dar sua própria vida pelos outros?
Em um país como a Colômbia, a mensagem foi imediatamente entendida. Uma classe dominante procurava, muitas vezes, apenas por suas vantagens econômicas, enquanto o povo empobrecia e estava à mercê da violência. Personagens como Oscar Romero ajudaram a mostrar a atualidade do Bom Pastor para o tempo presente.

O que motiva o senhor a contribuir com o estudo da Bíblia fora da Europa?
Na década de 1980, comecei a lecionar fora da Europa. Isso foi vinte anos depois do Concílio Vaticano II. Durante meus anos de estudante, todos os professores no Pontifício Instituto Bíblico ainda vinham do norte e do oeste da Europa, ou da América do Norte. Os estudantes, por sua vez, provinham sobretudo do sul da Europa ou do hemisfério sul, especialmente da África e da Ásia, mas também da América Latina, lugares onde ainda não havia suficientes oportunidades de estudo. Então aproveitei com prazer a oportunidade de oferecer cursos, seminários e conferências em um Instituto Teológico na África Ocidental. Alguns anos depois, dei aulas na América Latina, do México à Colômbia e à Bolívia, assim como no Brasil. Quero ajudar para que localmente haja teólogos e exegetas bem treinados, sendo possível eles transmitirem seus conhecimentos para suas dioceses, comunidades e até a sociedade civil.
Enquanto isso, surgiu também um número crescente de professores dos países do sul em Roma. Isso me faz feliz, porque sempre o desejei e, onde podia, também o favoreci. Penso que colegas de fora do mundo ocidental costumam fazer perguntas mais existenciais do que os(as) da Europa ou da América do Norte. Não se limitam somente a questões literárias ou históricas na interpretação das Sagradas Escrituras, mas perguntam sobre o significado da Palavra de Deus e da fé para o mundo de hoje. Isso faz bem a todos(as), especialmente aos(às) representantes das Igrejas nos países ricos.

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