Ex-aluno defende tese inédita sobre alfabetização financeira na perspectiva de Paulo Freire

Ahmed Sameer El Khatib, do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, foi orientando do prof. Antonio Chizzotti

por Redação | 12/12/2023

Texto desenvolvido pelo ex-aluno Ahmed Sameer El Khatib

Ahmed Sameer El Khatib, ex-aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, da PUC-SP, defendeu, no último dia 10/11, sua segunda tese de doutorado pela Universidade, dessa vez na área de Educação. Sob a orientação do prof. Antonio Chizzotti, a banca foi formada pela profa. Ana Maria Saul (PUC-SP), Marcos Masetto (PUC-SP), Jésus Gomes (FECAP) e Wilson Nakamura (Mackenzie).

A tese intitulada “Alfabetização Financeira Crítica: Uma Proposta Curricular à Luz das Vozes Docentes e da Visão Freireana” teve como objetivo destacar as vozes de docentes e profissionais de educação que tomam decisões curriculares, sobre a melhor forma de alfabetização financeira crítica dos seus alunos, suas suposições, pensamentos e experiências. 

A pesquisa se inicia com o conceito de alfabetização financeira de diferentes perspectivas e a literatura sobre currículos nacionais estabelecidos para educação financeira provenientes em alguns países do mundo que, inclusive, serviram de base para a construção da Estratégia Nacional de Educação Financeira no Brasil. Na revisão do seu desenvolvimento, são destacados eventos e questões chave como aspetos que podem ter tido influência significativa no desenvolvimento do conceito e alcance da alfabetização financeira. Foi fornecido um pano de fundo abrangente, com a finalidade de fornecer uma contribuição significativa e prática para a construção de dimensões curriculares para a Alfabetização Financeira. Com isso, foram apresentadas informações sobre os antecedentes do desenvolvimento do campo da educação financeira, os principais aspectos que influenciaram o desenvolvimento da alfabetização financeira ou educação financeira e as experiências educacionais oferecidas pelos currículos nacionais em países de todo o mundo. Adicionalmente, foram evidenciados os inúmeros conceitos e significados de alfabetização e educação financeira à luz dos formuladores de políticas educacionais.

Foi apresentada uma revisão da literatura relativa a três domínios principais relevantes para a tese: neoliberalismo, teorias da educação crítica e alfabetização financeira crítica, uma vez que está situada no corpo mais amplo da literatura sobre educação financeira. Participaram da pesquisa dezesseis docentes do Ensino Fundamental I e II do estado de São Paulo, que demonstraram aderência às práticas de alfabetização financeira crítica, independentemente da disciplina ministrada. A tese fornece uma estrutura conceitual dinâmica, desenvolvida para a alfabetização financeira crítica, derivada do trabalho dos docentes e das visões de Paulo Freire, que inclui a tradução da teoria à práxis em consonância com a Pedagogia Crítica. Trata-se da primeira pesquisa produzida com uma abordagem metodológica única, classificada como uma pesquisa qualitativa crítica em alfabetização financeira, triangulando métodos de estudo de caso, estudo bibliográfico, entrevista episódica, investigação deliberativa, abordagem indutiva e o uso de vinhetas narrativas.

A educação financeira tradicional, convencional ou ainda instrumental  baseada ou não na teoria da ação racional é a encontrada pela grande maioria dos trabalhos que trata de educação e alfabetização financeira, mas alguns estudos trazem outra noção, a da alfabetização financeira crítica, que acima das outras considerações, embasa a ideia de educação financeira com potencial transformador da realidade concreta. Os professores, no entanto, e apesar das apostilas e do modelo de “educação bancária” (termo criado por Paulo Freire para denominar a prática pedagógica de “depositar” conhecimentos acríticos na cabeça dos educandos) incentivados por alguns doutrinadores, tem autonomia para pensar diferente, de forma crítica e, assim, incentivar os docentes a evoluir internamente e não apenas materialmente.

Como conclusão, temos que a prática reflexiva e crítica da realidade financeira deve estar presente no dia a dia do educador como algo sempre novo, dinâmico, em construção e como processo multidimensional. O professor não apenas ensina a aprender, mas aprende a ensinar com seus alunos, com outros professores, com as situações financeiras vivenciadas, discutidas com perguntas e respostas advindas de situações problematizadoras diversas, enfim, aprende com a socialização dos saberes e tal disposição deve ser o ponto central de sua prática cotidiana. Foi apresentada uma estrutura conceitual, composta por dimensões, que trazem respostas às falhas encontradas na educação financeira convencional.

O Brasil foi extremamente influenciado pelos Estados Unidos e outros países ao introduzir a alfabetização financeira, ao entendê-la e ao discuti-la. A criação da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), em 2011, e a justificativa para a introdução do conteúdo transversal obrigatório de alfabetização financeira foram consequências de discussões globais mais amplas promovidas, principalmente, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Mundial.  No Brasil, por exemplo, um professor de matemática ou física é “obrigado” a seguir uma apostila engessada e incluir em suas disciplinas conceitos e exemplos práticos que, muitas das vezes, não fizeram parte de sua realidade. É como se um professor de contabilidade fosse convidado para dar aula de biologia, mesmo não tendo formação adequada, fazendo uso apenas de uma apostila pré-fabricada. Algo está errado. 

As formas convencionais de alfabetização financeira excluem do debate acadêmico, político e curricular as vozes dos docentes e posicionam o consumo e o investimento como atos cívicos legítimos, individualizando e despolitizando soluções para problemas antigos como pobreza, insegurança, degradação ambiental e desigualdade social. Enquanto a alfabetização financeira convencional vê o cidadão como um consumidor, que se adapta à complexidade das finanças por meio do consumo, a alfabetização financeira crítica posiciona o cidadão como um ator político que desafia o status quo por meio da intervenção política.

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