Publicada no fim de semana, a Fratelli tutti, encíclica social do Papa Francisco, já repercute na comunidade acadêmica. Tendo como objetivo promover uma aspiração mundial à fraternidade e à amizade social, caminhos indicados pelo Pontífice para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, o documento é composto por 8 capítulos. O título remete às "Admoestações" de São Francisco de Assis, que usava essas palavras "para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor do Evangelho", afirma o Papa, que já escrevia a encíclica quando surgiu a pandemia do novo coronavírus. " A emergência sanitária global mostrou que "ninguém se salva sozinho" e que chegou realmente o momento de "sonhar como uma única humanidade", na qual somos "todos irmãos".
O texto trata ainda da manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade, justiça; o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos, a falta de cuidado com os mais frágeis e vulneráveis, a dívida externa de países pobres, migrações, as guerras e a busca pela paz, o papel da Igreja, entre outros assuntos, como mostra o vídeo produzido pelo Vaticano:
A terceira encíclica do Papa Francisco pode ser lida na íntegra, em português, clicando aqui. Também no site do Vatican News, sistema de informação da Santa Sé, é possível ler notícias sobre a repercussão do documento.
O diretor da Faculdade de Teologia, professor e padre Boris Nef Ulloa, fala da importância da Fratelli tutti:
"Em primeiro lugar, destaco o lugar onde foi assinada, pois já dá o tom, o foco e uma chave de leitura importante: a cidade de Assis, junto ao túmulo de São Francisco, o santo da pobreza evangélica, o irmão universal que reconhece em cada ser humano e na Criação a presença divina. Assis é para os cristãos um chamado à conversão, um retorno às raízes evangélicas mais genuínas e límpidas, que por sinal andam em falta nos círculos cristãos atuais.
Segundo ponto, o Papa identifica de forma muito sincera e verdadeira a realidade existencial e social. Isto é, as feridas atuais da humanidade e suas capacidades para, então, chamar cada um a oferecer de si mesmo e colaborar para alimentar sua experiência de vida pessoal e comunitária num caminho de esperança ativa e propositiva que aponte para a busca do bem comum. Esta experiência, segundo o Papa, pode e deve partir do encontro real e concreto com o vulnerável, com o caído pelo caminho, com o empobrecido, com o refugiado e o imigrante (aos quais dá-se um grande destaque nos capítulos III e IV da Encíclica). Assim, o tema escolhido coloca o centro da nossa atenção sobre o valor inegociável da dignidade humana. Dignidade que não é restrita a um grupo apenas, mas pertence a todo e cada ser humano, inserido no seu contexto religioso, cultural, histórico e social. O Papa Francisco sublinha a necessidade urgente de educar as novas gerações para uma cultura do encontro, que possibilite, à luz do diálogo sem reservas, a superação dos conflitos.
O documento também reforça a necessidade urgente de uma política regional (local) e internacional, fundamentada na primazia da solidariedade, da justiça e da paz. Princípios promotores de vida humana digna e do bem comum, onde ninguém é excluído ou descartável. O amor como fundamento político capaz de gerar processos de mudança sólidos e duradouros, sem os quais será impossível vencer os horizontes restritos da cultura consumista e imediatista. O Papa chama a humanidade à nova política que se sustente nos valores de um humanismo integral e de uma ecologia integral por meio dos quais é possível derrotar, respectivamente, os populismos e as correntes neoliberais desumanizadoras."
O coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba, destaca três pontos da encíclica:
"Com a publicação de Fratelli tutti, Papa Francisco se consagra como a grande voz, no cenário internacional, contra os desvarios e injustiças da sociedade atual. Três pontos sobre a encíclica:
1) Fratelli tutti propõe que podemos fazer uma “política melhor” a partir do amor fraterno. Tal afirmação seria considerada ilusória ou demagógica em qualquer outra boca. É o testemunho pessoal de Francisco, marcado pela humildade e pela ternura explícita para com os excluídos e os que sofrem, que a torna crível, esperança e inspiração na luta por uma sociedade melhor.
2) A encíclica está fortemente embasada na doutrina social da Igreja precedente a Francisco. Mostra como a ideologia neoliberal de autorregulação dos mercados e a ideologia nacional-populista, de autodefesa de um grupo social ou nacional contra um mundo hostil, são manifestações políticas do individualismo moderno – e nisso estão em desacordo com os ensinamentos cristãos.
3) Francisco permanece firme em sua fé no diálogo e na construção de uma “cultura do encontro”, que viabilize a construção de um mundo mais fraterno e solidário.
Borba também falou sobre a encíclica em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo e em artigo do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo.
Nesta terça-feira (6/10), no canal da TV PUC-SP no Youtube e no Facebook, o Núcleo Fé e Cultura promove uma live com o tema “Primeiras impressões da Fratelli tutti do Papa Francisco”, que contará com a participação do vaticanista Filipe Domingues, da professora da Faculdade de Teologia da PUC-SP Rosana Manzini, do coordenador do Núcleo, Francisco Borba, e de Cleide Barbosa, da Rádio 9 de Julho.