Perdidos em crises e reformas

Antônio Carlos Alves dos Santos, professor Titular do Depto de Economia da FEA Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa, Campus Monte Alegre e Conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

por Antonio Carlos Alves dos Santos | 22 / 05 / 2017 - 10 h

Abrir o jornal e procurar por uma boa notícia nos cadernos de política e de economia, tornou-se um exercício penoso, até mesmo para o mais otimista dos brasileiros. A cada novo acordo de delação premiada o odor de putrefação do sistema político torna-se mais forte o que acaba sendo usado como justificativa para a nossa nova jabuticaba, o Estado de Exceção, e para deixar para as calendas, o princípio que até prova em contrário todos somos inocentes.  Verdade que os princípios básicos dos direitos civis nunca pegaram em nosso Patropi e tão pouco a democracia conseguiu deixar de ser uma planta frágil, sempre sujeita a ataques à esquerda e à direita.

Na economia um pouco de alento vem da queda persistente da inflação, que por sua vez abre espaço para a queda das taxas de juros. Infelizmente, dificilmente será suficiente para garantir o encerramento da mais longa recessão da história econômica brasileira. Tudo indica que o crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro ficará em território negativo em 2017 e no melhor cenário – a cada dia menos provável – em torno do zero.

É sempre bom lembrar que já no segundo semestre de 2014 havia claros sinais de desaceleração da economia. Difícil negar que a origem dessa crise se encontra na equivocada política econômica, defendida pelas correntes heterodoxas, que aproveitou a crise de 2008 para ganhar espaço e reeditar uma variante do nacional desenvolvimentismo. As desonerações fiscais, justificáveis por um curtíssimo período de tempo, eternizam-se e passam a fazer parte, juntamente com o abandono do tripé econômico (composto pelo regime de metas de inflação, fiscais e câmbio flutuante) e o forte intervencionismo na economia, da nova matriz macroeconômica.

O trágico desenlace era esperado, a dúvida era se ocorreria antes ou depois da eleição.  Fazer as correções necessárias antes das eleições implicava em alto custo político e, provavelmente, em derrota eleitoral. Dilma escolheu seguir o exemplo do Presidente FHC, que em 1998, diante de semelhante dilema, optou por empurrar com a barriga e não colocar em risco a sua reeleição.

A dúvida hamletiana da Dilma, depois da sua reeleição, e o comportamento nada republicano dos derrotados nas urnas, tornou ainda mais grave a já complicada situação econômica. A política econômica defendida pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, era correta, ainda que dolorosa, mas nunca contou com a simpatia da Presidente e era fortemente atacada pelos economistas heterodoxos que a consideravam uma traição ao que fora defendido nas eleições. A posição do Ministro do Planejamento era ambígua, já que estava ciente da necessidade de alguma forma de ajuste econômico.  A queda do Levy e a passagem do bastão para o Ministro Nelson Barbosa é o começo da inevitável derrocada do experimento nacional desenvolvimentista.

As pautas bombas e o venenoso ambiente político tornaram impossíveis impor qualquer racionalidade à política econômica do segundo governo da Presidente Dilma. É um grave equívoco imputar a Levy e a Nelson Barbosa a responsabilidade pela inacreditável queda do PIB em 2015 e 2016.  Eles tentaram em vão –  mas tentaram – oferecer uma resposta ao descalabro econômico legado pelo experimento nacional desenvolvimentista do Ministro Guido Mantega.

Com a queda da Presidente Dilma, em um mais que controverso processo de impeachment, o mercado esperava que a crise política fosse resolvida e que se abrisse espaço para a implementação das reformas necessárias à retomada do desenvolvimento econômico.  Infelizmente, pelo menos no campo político, tratava-se de sonho de uma noite de verão. A crise só se aprofundou e aumentou o risco de reversão das reformas – adequadas ou não – no caso de eleição, em 2018, de um candidato de oposição.

Apesar deste cenário político e econômico nada favorável ao atual governo, ele insiste em impor goela abaixo a reforma da previdência e a trabalhista, cujo primeiro passo foi dado com a regulamentação da famigerada terceirização.  É inegável que é preciso repensar a previdência e adequá-la à nova realidade demográfica brasileira: a taxa de fertilidade da mulher brasileira está em queda e felizmente a sobrevida do brasileiro, passadas a infância, a adolescência e os primeiros anos da vida adulta, continua a subir. Como nosso sistema previdenciário é baseado na solidariedade, ou seja, quem está no mercado de trabalho mantém quem está fora, usufruindo da sua aposentadoria, é necessário definir uma idade mínima para garantir a sustentabilidade da previdência.

A proposta da atual administração tem o mérito de defender a necessidade de uma idade mínima, como, aliás, já tinha sido defendido pelo próprio Ministro Nelson Barbosa. Ela no entanto, não apresenta nenhuma solução realista para a previdência rural que é responsável por uma parcela significativa do déficit em 2016. Cobrar do trabalhador rural implica em diminuir a sua renda o que obrigaria o governo a cobrir esta perda com o Bolsa Família. É, também, injusto usar a mesma idade mínima para o campo, quando se sabe que o trabalhador rural entra mais cedo no mercado de trabalho e que esta atividade é mais desgastante que a do trabalhador urbano. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) tem problemas, mas aumentar a idade para 70 anos não é seguramente a solução adequada. A lista de exclusões da reforma da previdência a torna ainda mais injusta e seguramente não resolve o problema do déficit e, portanto, não ajuda no bom encaminhamento da questão fiscal.

A regularização da terceirização é de fato necessária, mas a proposta sancionada pelo Presidente Temer é equivocada. A proposta em discussão no Senado é melhor e espera-se que o judiciário consiga reverter a situação e sepultar esta infeliz tentativa de implementar no País o darwinismo social spenceriano. No entanto, é importante lembrar que alguma forma de flexibilização é necessária e que a terceirização, ajuda a aumentar a oferta de emprego. O risco, reconhecido na literatura, inclusive em trabalho do staff do FMI, é o aumento de postos de trabalho de qualidade duvidosa. Em outras palavras, há sim, risco de precarização, mas ele pode ser evitado com as devidas salvaguardas dos direitos dos trabalhadores.

Em síntese é preciso reformar a previdência e flexibilizar o mercado de trabalho, mas isso tem que ser realizado a partir do foco na pessoa humana.  É falsa a proposição que seria impossível a existência de uma economia de mercado vibrante e competitiva com o respeito aos direitos dos trabalhadores.  A experiência pós Segunda Guerra Mundial, inclusive no Brasil, demonstra que o desenvolvimento econômico quando leva em conta a pessoa humana, como se argumenta na Encíclica Populorum Progressio do Papa Paulo VI, publicada em 26 de março de 1967, é realmente o nome da paz.

 

 

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