Como se não bastassem todos os malefícios causados pela Covid-19, estima-se que 25% dos bebês com até um mês de vida não receberam a vacina BCG (que protege contra a tuberculose) ou a imunização contra a hepatite B. Os números são do DataSUS e referem-se ao período de 2018 a 2020. Dados preliminares indicam que, em 2021, esse tipo de vacinação está abaixo da meta.
E mais: evidências indicam que a queda na vacinação infantil – incluindo as coberturas contra outras doenças – já ocorre desde antes da pandemia. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisaram dados de 1994 a 2019 e concluíram que, a partir de 2016, o índice de crianças vacinadas com menos de 10 anos caiu entre 10 e 20%.
“No caso da imunização contra a hepatite B, a primeira dose é aplicada logo após o nascimento, dentro de até 12 horas. Porém, as duas doses subsequentes têm intervalo de 60 e 90 dias”, relembra a professora-doutora Izilda das Eiras Tâmega, docente da disciplina de Pediatria na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP. “Neste contexto, alguns pais temiam que, se levassem seus filhos aos postos de saúde, poderiam expô-los ao risco de contágio pela Covid-19.”
Já a vacina BCG, por sua vez, enfrenta problemas de abastecimento em todo o país. Sua linha de produção, localizada no Rio de Janeiro, foi paralisada recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por não atender às normas técnicas. Uma nova fábrica está em construção desde 1989, contudo, suas obras ainda não terminaram por mudanças no projeto e falta de recursos.
“Nos últimos meses, o país tem importado esta vacina da Índia”, explica a professora-doutora Izilda. Ao todo, sete imunobiológicos do Programa Nacional de Imunizações, do SUS, têm origem indiana.
Doenças básicas podem voltar, alerta especialista
A docente da PUC-SP complementa: “Notamos um atraso em todo o calendário de vacinação infantil, sobretudo na faixa dos quatro aos seis anos. A população tende a prestar mais atenção aos eventos adversos. Porém, a vacina se comporta como uma balança, sendo que os efeitos colaterais são muito menores do que a proteção oferecida”. Ela também ressalta que “alguns sintomas, como fraqueza, dor muscular, febre, e vômitos, nem sempre estão relacionados à vacina, podendo ser reações individuais”.
Para a professora-doutora Izilda, existe uma falta de informação sobre o impacto positivo da imunização. “Voltou-se tanto a atenção para a Covid-19 que as vacinas habituais, já conhecidas pela população, foram deixadas em segundo plano. A Sociedade Brasileira de Pediatria alerta quanto ao atraso vacinal não só da população infantil, mas também de adolescentes e adultos. Ele foi constatado até mesmo na classe pediátrica, que deveria dar o exemplo”, observa.
“Já temos um calendário vacinal voltado para os pediatras e cuidadores de crianças. Ressalto que as doenças infantis que estavam controladas poderão voltar se as imunizações não forem feitas adequadamente. Por fim, aconselho que a população procure informações com o profissional da saúde, sobretudo o pediatra, para esclarecer eventuais dúvidas”, pontua.
Risco de reintrodução da pólio no Brasil
Em artigo publicado neste 6 de setembro, o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, relembra que, desde 1973 (ano de institucionalização do PNI), foram muitas as vitórias. “Uma das mais emblemáticas teve início em 1980, com a campanha que conferiu ao país, após incansáveis 14 anos, a Certificação da Ausência de Circulação Autóctone do Poliovírus Selvagem”.
Cunha traçou uma cronologia vacinal até chegar a 2016, quando foi certificada a eliminação do tétano materno e neonatal, da rubéola, da síndrome da rubéola congênita e do sarampo. “Porém, este último retornou em 2018, devido às baixas coberturas vacinais. Hoje, este fenômeno se estende por todo o calendário de vacinação, elevando o nível de vulnerabilidade ao patamar do risco de reintrodução da pólio no país”, escreveu.
Fatores importantes
Segundo ele, o retrocesso decorre de muitos os fatores – dentre eles, as mudanças no perfil e na frequência das campanhas de vacinação; as contínuas falhas no abastecimento; a falta de investimento na qualificação e retenção dos profissionais que atuam nas unidades de saúde; a precarização e limitações desses espaços e o baixo engajamento de médicos com a prescrição de vacinas. “Além disso, há a complexidade dos calendários vacinais; disseminação de notícias falsas sobre a segurança das vacinas; recentes campanhas para desacreditar a ciência e a falta de percepção de risco pela população diante das doenças controladas por vacinação”, defendeu.
O presidente da SBIm explicou que, atualmente, há novas plataformas para a produção de imunobiológicos, o que abre diferentes perspectivas de prevenção. Em suas palavras, o sucesso no desenvolvimento em tempo recorde de vacinas contra a Covid-19 e a adesão por parte da sociedade são dois reconhecimentos da importância desse recurso na proteção da vida.