Revista em quadrinhos dos anos 80 é tema de doutorado

Pesquisador relata embate entre Chiclete com Banana e neoliberalismo

por Cláudio Oliveira | 13/06/2023

Desenho de história em quadrinhos, representando dois personagens masculinosContracultura na New República: Embates contra o Neoliberalismo nas páginas da Chiclete com Banana (1985-1990) é o título da tese de Doutorado de Iberê Moreno Rosário e Barros, concluída em 2022. A pesquisa retrata o embate de narrativas de artistas influenciados pelo movimento de contracultura estadunidense, contra a ascensão do neoliberalismo na América Latina, na segunda metade da década de 1980.

Dois aspectos levaram Iberê Moreno a optar pelo tema, o primeiro foi pessoal e o segundo, acadêmico. 

Leitor de histórias em quadrinhos desde a infância, já conhecia a obra do cartunista Angeli, um dos autores da Circo Editorial (CE), empresa de comunicação gráfica fundada por Toninho Mendes, nos anos de 1980, responsável pela impressão da revista Chiclete com Banana (CcB). “Sempre fui leitor de quadrinhos e acompanhei, desde que era garoto, esse tipo de produção, inclusive a dessa geração (da CcB). O Geraldinho, (personagem) do Glauco (cartunista da CE), saía no suplemento infantil da Folha de S. Paulo, sempre fez parte da minha vida. Por isso sabia que havia nos quadrinhos temas relevantes à discussão”, conta Moreno.

Já o motivo acadêmico vem desde que iniciou a Graduação, no curso de Relações Internacionais da PUC-SP, em 2008. Moreno conta que encontrou na universidade vários temas que o motivaram a participar de eventos, inclusive em outras instituições, sobre assuntos acerca de histórias em quadrinhos, política e sociabilidade. “A questão acadêmica veio principalmente pelo espaço para diversidade de temas que a PUC-SP sempre proporcionou. Desde 2009, me dedico a estudar quadrinhos, com muito apoio acadêmico da PUC-SP. Neste mesmo ano participei das primeiras jornadas internacionais de quadrinhos, na ECA/USP, e apresentei meu primeiro artigo. Foi quando começaram minhas reflexões sobre a relação entre produção de histórias em quadrinhos e compreensão política da sociedade”, lembra o pesquisador.

O passo seguinte foi ingressar no Mestrado em História na PUC-SP, onde realizou a dissertação Para a defesa das Américas: O Herói-Soldado-Cidadão na revista, Em Guarda (1941-1945). O objetivo foi analisar a representação dos soldados estadunidenses como imagem de indivíduo modelar para os latino-americanos, também usando uma revista como linguagem para a observação política e social, neste caso a política externa norte-americana. 

O Doutorado

Com o caminho aberto para o doutorado, Moreno optou por continuar na mesma Universidade. O período histórico a ser investigado, desta vez, seria o Brasil da segunda metade da década de 1980 e o objeto de estudo, a revista em quadrinhos Chiclete com Banana. A publicação foi sucesso de vendas e de crítica, mesmo trazendo em suas tirinhas uma narrativa política contra hegemônica, em relação ao mercado editorial da época. “Estava em disputa uma hegemonia cultural, e o que foi percebido pela contracultura era que as lideranças neoliberais e neoconservadoras estavam entrando em um acordo para redemocratizar sem romper com as estruturas sociais. Por isso a revista se torna um excelente retrato do período, sendo a sua própria existência parte dessa disputa cultural”, descreve Moreno em sua tese.

O Brasil passava por uma crise econômica, sofrendo com altos índices de inflação, porém, havia esperança na redemocratização, que se desenhava a partir da eleição de um presidente civil, em 1985, mesmo não sendo pelo voto popular, após 21 anos de governo militar. “A revista foi produzida em um momento histórico crucial da política brasileira. Entre os anos de 1985 e 1990 o país experimentou um processo de redemocratização, marcado pela devolução das instituições políticas aos civis”, contextualiza o autor.

É neste clima que Angeli lança, em 1985, a revista de humor em quadrinhos Chiclete com Banana. A publicação tornou-se rapidamente um sucesso editorial, retratando a política e a sociedade com humor ácido e crítico. “Foi interessante observar um grupo que estava muito à flor da pele (o grupo que integrava a CE, Laerte, Glauco, Angeli, Luiz GÊ, dentre outros), com ideias influenciadas pelo pensamento contra cultural norte-americano e europeu. Por isso, mantinham contato com obras da época, que subvertiam e se colocavam em oposição ao pensamento dogmático, principalmente quando a gente observa esse entendimento do neoliberalismo, enquanto regramento do indivíduo e da sociabilidade e como culto ao individualismo extremo. Estas produções gráficas barateavam por serem produzidas coletivamente, o que subvertia a experiência que se tornava hegemônica à época”, observa Moreno ao refletir sobre o contexto em que se desenvolve o tema que investigou.

O caminho

A prof. Carla Reis Longhi foi a orientadora do Doutorado. Segundo a docente, Moreno conhecia muito bem o universo dos quadrinhos e principalmente a produção da CE. “Quando ele me procurou, sabia exatamente o que queria pesquisar; como conhecedor de quadrinhos e leitor da Chiclete com Banana. Conhecia bem a história da editora e o percurso profissional de Angeli e Toninho Mendes, autores da revista”, afirma. Em seguida, ambos delimitaram e definiram, dentre tantas possibilidades, qual caminho seguir, ou seja, o que seria a questão central da pesquisa.

O embate de ideias entre a CE e o mercado editorial que, apesar do período de redemocratização em trânsito, ia se conservando sob o domínio de grandes grupos empresariais, comprometidos com políticas neoliberais, pareceu para os dois ser um caminho promissor à pesquisa. As conversas entre orientadora e doutorando foram dando forma ao projeto. A metodologia foi sendo definida e a problematização se tornando cada vez mais clara. “Ao ponderar sobre a revista, como expressão e agente do processo de democratização, Moreno percebeu que a redemocratização trazia um campo em disputa e a revista expunha as questões em confronto: um projeto editorial contra cultural, construído pela irreverência e questionamentos de seus autores, num contexto neoliberal em gestação, com uma racionalidade técnica invadindo o campo cultural; de esvaziamento da política e ascensão do mercado. A riqueza da tese está justamente na capacidade de destrinchar este projeto editorial como um fenômeno social, político e cultural”, relatou a professora.

O Desfecho

O resultado do trabalho é uma viagem de cerca de meia década de muita efervescência política e cultural, percorrida por um grupo de vanguardistas num embate desigual contra as forças conservadoras e detentoras do poder econômico do país. “Entendo que a revista cumpriu um papel importante na sociedade do período, oferecendo informações, questionamentos e dando voz a grupos marginalizados. Pude mostrar ao longo do texto como esses embates levaram a um fatalismo por parte dos autores e apresentaram uma vitória dos neoliberais. Não que a resistência tenha sido completamente derrotada, mas o projeto sim”, reflete o autor.

Para conferir na íntegra o trabalho realizado por Iberê Moreno, clique aqui.

 

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