Faculdade de Medicina recebe Missa do Cadáver

Celebração teve a presença da família de uma doadora

por Redação | 11/04/2019

Na manhã de 11/4, o arcebispo metropolitano de Sorocaba, Dom Julio Endi Akamine, celebrou a Missa do Cadáver. O ato foi realizado no Anfiteatro Professor-Doutor José Ramos de Oliveira Júnior, na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS). Segundo o diretor da FCMS, professor Luiz Ferraz de Sampaio Neto, a Missa do Cadáver voltou a ser celebrada no campus depois de alguns anos. Ela é essencial para a formação humanística dos estudantes de Medicina e Enfermagem. “É importantíssimo ter a percepção de que os corpos inertes, utilizados nos estudos, são de pessoas que já foram vivas e, portanto, devem ser tratados e vistos com respeito e reverência”, destacou.

A homilia de Dom Júlio partiu da seguinte mensagem de Jesus: “Se alguém guardar a Minha palavra, jamais verá a morte”. De acordo com o arcebispo, os cadáveres nos colocam diante da certeza de que vamos morrer e que a morte não é algo extrínseco à nossa existência. “Não é ela que vem até nós. Nós é que somos mortais e, portanto, ela está intrínseca à existência humana.” Dom Júlio reforçou que o contato com os cadáveres durante os estudos não é como tocar em um artefato ou objeto. “Nele está a materialização de um evento, o evento da nossa morte, da nossa finitude e, por isso, é importante que haja um contato correto”, disse. Os cadáveres são, segundo o arcebispo, um evento que faz parte da humanidade. “Um bom médico precisa ter esse conhecimento humano”, reforçou.

Ainda durante a homilia, Dom Júlio pregou que um cadáver foi uma pessoa, independentemente do fato de sua identidade ser preservada. “Para vocês, eles são anônimos, mas isso não significa que não seja o corpo de uma pessoa. Uma pessoa que tinha um nome e sobrenome, que nasceu de outras duas pessoas, que cresceu, desenvolveu-se, amou e foi amada, sofreu e, talvez, até tenha ferido outros indivíduos. Mas sempre se tratará do corpo de uma pessoa”, enfatizou.

A Missa do Cadáver, ainda de acordo com Dom Júlio, não é uma homenagem, mas um sufrágio, pois muitas das pessoas cujos corpos são utilizados para os estudos, sequer tiveram quem derramasse uma lágrima ou fizessem uma prece quando morreram. “O maior bem que podemos oferecer a elas é a nossa oração”, disse.

Durante a homilia, uma estudante fez a Oração do Cadáver, criada no século 19 pelo médico patologista e filósofo austríaco Karl Rokitansky: "Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança daquela que, em seu seio, o agasalhou; sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens; por certo, amou e foi amado e sentiu saudades dos outros que partiram; acalentou um amanhã feliz e, agora, jaz na fria lousa, sem que por ele tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome, só Deus o sabe; mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que, por ele, passou indiferente".

Encerrada a celebração, o diretor da FCMS agradeceu, em nome da Fundação São Paulo, PUC-SP e faculdade, pela presença de Dom Júlio no campus. “Com a sua sabedoria, o senhor transmitiu o que esperávamos, aquilo que desejamos que os alunos da Medicina e Enfermagem sempre tenham vivo dentro de si: como manter um contato correto com os cadáveres, pois isso faz parte da constatação de que todos somos iguais”, afirmou. “E, mesmo existindo soluções tecnológicas que oferecem ensinamentos científicos adequados, não há nada que substitua a percepção de que somos todos iguais”, finalizou.

Gesto louvável

O coordenador do Laboratório de Anatomia, professor José Francisco Moron Morad, também indicou a relevância da Missa do Cadáver e disse que foi a primeira vez em que parentes de uma pessoa cujo corpo é utilizado para estudos na Faculdade participaram da celebração.

Ele se referia a Moisés Soares Leite (na foto à esq., de blusa azul), aposentado, residente em São Roque, cidade vizinha a Sorocaba. Em 18 de fevereiro deste ano, sua esposa faleceu, vítima de câncer. “Em 2005, enquanto estudava para formar-se como técnica de enfermagem, ela comunicou à nossa família que doaria seu corpo aos estudos da Faculdade de Medicina da PUC-SP”, lembrou Moisés.

Ele contou que, naquele momento, a decisão surpreendeu a família. Até o cartório da cidade não sabia como registrar esse contrato (a manifestação em vida para que o corpo seja destinado a estudos após a morte deve ser oficializada junto a um cartório de registro). Moisés estava acompanhado por familiares e amigos da sua esposa. “Uma amiga, que veio conosco para esta missa, disse que também deseja doar seu corpo, assim como eu também desejo”, revelou. “Minha mulher lutou contra um câncer durante oito anos. Ela esperava que o seu gesto fosse útil, até para os estudos da própria doença que a vitimou. Seu gesto foi louvável.”

Moisés, que é membro da Igreja Metodista, comentou que a missa foi uma agradável surpresa e sentiu-se reconfortado. “Minha esposa era católica praticante. Alguns dias atrás, ela apareceu, muito bonita, em um sonho e disse para mim que anjos a haviam curado e que ela não sofria mais. Hoje, sinto a paz de saber que, onde ela estiver, está bem e num lugar maravilhoso”, emocionou-se.

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