PUC-SP sedia encontro de reitores de universidades comunitárias promovido pela ABRUC
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Comissão da Verdade comunicou governo sobre desaparecimento de João Maria Ximenes de Andrade, que integrava o Partido Comunista Brasileiro e teria sido sequestrado em 23 de março de 1974
A Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri encontra fortes indícios sobre o desaparecimento de mais um ex-aluno durante a ditadura militar. Familiares de João Maria Ximenes de Andrade, que cursava Ciências Econômicas, procuraram a Universidade na tentativa de conseguir informações sobre o paradeiro do estudante, que teria sido sequestrado no bairro de Vila Medeiros, aos 41 anos, no dia 23 de março de 1974. O ano corresponde ao período (1974-1975) em que foram presos e sequestrados militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre eles David Capistrano, Jose Roman, além de João Masena, Luiz Ignácio Maranhão, e outros desaparecidos.
Nascido em 15 de agosto de 1933, “Quinho”, como era conhecido pelos parentes, nasceu na cidade de Agudos, no interior de São Paulo, e se mudou para a capital onde, na década de 60, estudou na Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais da PUC-SP, no curso de Ciências Econômicas, e fez parte do Centro Acadêmico Leão XIII.
Solteiro e sem filhos, familiares contam que João Maria Ximenes era muito reservado, tinha poucos amigos na Vila Guilherme, bairro onde morava, e desde jovem demonstrava interesse e preocupação por questões sociais. Os parentes não tinham conhecimento exato sobre seu envolvimento político, mas suspeitavam de que ele também integrasse o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O evento de diplomação à família do estudante ocorreu no dia 19/11, às 19h00, em uma cerimônia no auditório 100 (1º andar do prédio novo).
Em carta encaminhada à PUC-SP, uma das irmãs de João Maria, Helena Maria Ximenes, conta que no dia do desaparecimento, uma cena ficou gravada na memória de sua outra irmã, Maria da Graça Ximenes, hoje com 98 anos. Ela relata que, naquela manhã, três homens que aparentavam ser policiais chegaram em uma caminhonete, bateram na porta da casa onde moravam, na zona norte de São Paulo, e perguntaram por João Maria, que não estaria no local. Desde então, não tiveram mais notícias de seu paradeiro. Na época, a família registrou o sumiço na delegacia do bairro, fez buscas no IML e na própria PUC-SP, mas não obteve respostas.
Confira a íntegra da carta encaminhada à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, assinada pela irmã Helena Maria Ximenes e pela sobrinha Maria das Graças Previtalle:
“À Comissão de Mortos e Desaparecido Políticos do governo Federal.
Relato da irmã e sobrinha de João Maria Ximenes de Andrade.
João Maria Ximenes de Andrade, nascido em 15 de agosto de 1933, solteiro, sem filhos ainda muito jovem revelava desejo de mudar o mundo, mostrando-se preocupado com as questões sociais. Sempre foi muito reservado, muito quieto, tinha poucos amigos no bairro onde morou, sempre na periferia de São Paulo. Porém, parecia ter amigos que pensavam como ele, mas nunca conhecemos esses amigos, diz a família.
Como sempre foi muito estudioso, passou no vestibular na PUC-SP e começou a participar de movimento estudantil (ver carteirinha do Centro Acadêmico, Anexa). Havia livros marxistas que ele recebia pelo correio ou trazia da Faculdade, parecia que vinham da União Soviética. Não se sabe, mas como se tratava de livros proibidos, quando ele desapareceu foram escondidos pela família e com o tempo, desapareceram.
Quinho como era chamado pelos seus familiares, segundo as duas entrevistadas, era provavelmente membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). No dia do seu desaparecimento, houve uma cena estranha cuja a irmã Maria da Graça Ximenes lembra até hoje. Na manhã deste dia, três homens chegaram em uma camioneta, bateram à porta da casa onde ele morava com as irmãs perguntando por ele, pareciam que eram policiais. Quinho já havia saído de casa neste dia e não foi mais visto.
A irmã do Quinho, Vera Maria, hoje com 98 anos, foi na época à delegacia de polícia do bairro e registrou o desaparecimento dele, depois foi ao IML e foi à PUC-SP onde ele estudava e nada conseguiu.(anexo cópia do boletim de ocorrência).
A família ficou em pânico, pois como acontece até hoje, ela sabia do envolvimento político do Quinho, só não conhecia os detalhes.
João Maria (Quinho) era contador individual, tinha clientes no bairro que morava que o procuram depois do seu sequestro e acharam muito estranho o seu desaparecimento sem avisar a ninguém. Por que sumiria sem dar satisfação aos seus clientes, ele que sempre fora tão responsável? Tudo indicava, diziam eles, que seu desaparecimento era forçado.
Hoje, depois de ter passado tantos anos, a família nunca se conformou com o fato. E, para que não ficasse no esquecimento, querem registrar a sua morte, somar junto com outras famílias que como a sua nunca soube como esse bárbaro crime aconteceu e querem a responsabilização dos culpados.
Pela memória de Quinho, João Maria Ximenes de Andrade, pela verdade e pela justiça
Maria Ximenes (irmã) Maria das Graças Previtalle (sobrinha) “
Em 29 de novembro de 2018, a Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri comunicou o desaparecimento, a pedido da família de João Maria Ximenes de Andrade (na foto, João, o último da direita, com seus irmãos), à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. No documento, a professora Rosalina Santa Cruz Leite, membro da Comissão, solicitou a inclusão do nome do ex-aluno na lista de desaparecidos políticos:
Segundo a professora Rosalina de Santa Cruz Leite, a Comissão da Verdade da PUC-SP já havia encerrado os trabalhos quando obteve informações sobre o caso. “Recebi um telefonema do Rodrigo, sobrinho-neto do João, me pedindo para apenas ouvir o relato de sua tia-avó sobre o desaparecimento ocorrido em 1974. Após um tempo, conheci pessoalmente a Vera, que aos 98 anos saiu de sua casa na periferia de São Paulo para me contar a história de “Quinho”, seu irmão, o que fez lembrar minha mãe, que faleceu em junho deste ano, aos 105 anos, esperando saber o que realmente aconteceu com meu irmão, Fernando Augusto Santa Cruz, um dos desaparecidos já reconhecido pelo Estado brasileiro”.
Documentos reunidos pela família mostram que, em 1960, João Maria Ximenes havia solicitado um intercâmbio universitário na Universidade Russa da Amizade dos Povos, da então URSS, mas foi rejeitado. Para a família essa seria uma das principais provas materiais de seu envolvimento com a militância oposta ao regime militar, já que não conheciam com certeza sua trajetória na política.
Em maio do ano passado, o governo dos Estados Unidos tornou público um memorando secreto da CIA que mostra que o general Ernesto Geisel, presidente do Brasil entre 1974 e 1979, sabia e autorizou a execução de opositores durante a ditadura militar. O documento, de 11 de abril de 1974, menos de um mês após o desaparecimento de diversos militantes, entre eles João Maria Ximenes, foi elaborado pelo então diretor da agência de inteligência norte-americana, William Egan Colby, e endereçado ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger. Clique aqui e leia reportagem publicada sobre o assunto.
Em relatório final divulgado em 2014, a Comissão Nacional da Verdade apontou ter havido 434 mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar no Brasil.
A angústia da família do ex-aluno da PUC-SP ao longo dos últimos 45 anos é relatada em carta enviada à Universidade pelo sobrinho neto Rodrigo Arreyes. Leia o texto na íntegra clicando aqui.
Para Ana Paula de Albuquerque Grillo, procuradora da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC-SP, tudo leva a crer que o ex-aluno foi mais uma vítima do regime de exceção imposto pela ditadura militar. Ela ressalta a importância de obter explicações sobre o que de fato aconteceu. “Infelizmente, as Comissões da Verdade, instauradas por todo país, não conseguiram, na sua totalidade, apurar e dar satisfação a todas as famílias do paradeiro de seus entes. Muitas vezes por falta de recursos, outras por falta de documentos e tristemente, registro, que algumas vezes por falta de apoio do Estado. O país, de forma geral, precisa entender a importância do resgate dessa parte hedionda de nossa história: assumir os erros que foram cometidos! Registrar os abusos e não esquecer deles é uma forma de evitá-los no futuro. A história, se não é fielmente contada, se perde ao longo dos anos. Não podemos permitir isso”.
A Comissão da Verdade da PUC-SP, de forma simbólica, concederá diploma ao ex-aluno de Ciências Econômicas, iniciativa elogiada por Ana Paula Grillo. “Não temos dúvida de que ele foi nosso aluno, conforme demonstram os registros acadêmicos. Nesse sentido, penso que diplomar João Maria Ximenes de Andrade é uma forma de homenageá-lo, de mostrar à família que sua história está escrita, resgatada e presente dentro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo”.
Em setembro de 2017, a Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri realizou um ato de encerramento de suas atividades com a diplomação simbólica de cinco estudantes da Universidade que integram a lista de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: Maria Augusta Thomaz (1947-1973), Cilon Cunha Brum (1946-1974), José Wilson Lessa Sabbag (1943-1969), Luiz Almeida Araújo (1943-1971) e Carlos Eduardo Pires Fleury (1945-1971).