ProCRC apresenta avaliação sobre a "Semana da Consciência Negra 2022"
Leia a seguir texto da Pró-Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias sobre a Semana da Consciência Negra 2022:
Introdução
A II Semana da Consciência Negra da PUC-SP e o IV Seminário Mulheres Negras e o Ubuntu, ocorridos em novembro de 2022 tiveram como tema “10 Anos da Lei de Cotas no Brasil: Caminhos para o Enegrecimento da PUC-SP”. O Evento problematizou este espaço da política de ações afirmativas do país, que foi instituído a partir das lutas dos movimentos negros e do reconhecimento de que a população negra não acessava o ensino superior nem cargos de liderança. Trazendo para nosso universo puquiano, a temática traz questões como o acesso e permanência de estudantes negras(os), o incentivo à produção cientifica na graduação e pós-graduação e caminhos para a contratação de professores negras(os).
O Evento foi estruturado nessa direção de incentivar nossos alunos a adentrarem no mundo acadêmico, fortalecendo novas agendas de pesquisa.
Estruturação da organização do evento
O evento teve abertura da Professora Ângela Bramvilla Lessa, vice-reitora da PUC e da Professora Dra Mônica de Mello, pró-reitora de cultura e relações comunitárias, que contextualizou a importância da Semana para a PUC-SP.
Abertura da semana, no Tucarena, com a Dra. Matilde Ribeiro
A palestra da Dra. Matilde, encontra-se disponível no acervo audiovisual pucplay.
A abertura solene da Semana no dia 23/11 contou com a presença da Professora Dra. Matilde Ribeiro, ex Ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Doutora Honoris Causa pela UFABC.
A palestra da Professora Matilde presentada pelo Professor Amailton Azevedo, este acentuou a presença dos corpos negros na vida universitária e nos debates da (re)construção do país, como forma de incluir o que durante tanto tempo foi excluído e negado.
A Dra. Matilde Ribeiro começou sua participação relembrando momentos da sua vida, com uma reflexão de lembranças que quando olhada a partir do presente, mostra a resistência do corpo negro, a militância, a conquista de espaços e a permanência em espaços elitizados, restritos às pessoas brancas. Seu percurso de vida é marcado pela rotina de pegar o trem lotado pra ir trabalhar e depois pegar o trem novamente pra chegar à Barra Funda e andar até a faculdade, fazendo o caminho inverso pra retornar à sua casa. Durante esse percurso via pessoas semelhantes a ela nessa batalha de só conseguir estudar se tiver um trabalho e que mesmo nos dias de hoje é um fator recorrente para a maioria do povo na nossa sociedade, ressaltando assim o papel que a Universidade deve ter, cada vez mais aberta e acolhedora para com esses alunos.
Do seu livro Bicentenário da Independência do Brasil, lançado no Evento, trouxe a memória de uma mulher negra, ex-escrava, Maria do Carmo Gerônimo que, mesmo após ter sido liberta, continuou a trabalhar como doméstica mesmo após ultrapassar os 75 anos, não tendo o direito de se aposentar. Exerceu essa atividade durante toda a vida. Posteriormente lhe foi negada a inscrição de um recorde de tempo de vida no Guiness Book, já que o documento que possuía não era considerado legível segundo as autoridades da publicação. Em 1995 foi agraciada com a medalha do centenário de Zumbi dos Palmares, data em que Maria do Carmo teria 124 anos. Em 5 de Outubro de 1997, esteve presente na missa presidida pelo Papa João Paulo II no Rio de Janeiro e veio a falecer no dia 14 de Junho de 2000, aos 130 anos de idade.
A Professora Matilde ressaltou que em sua época de estudante a questão escravagista e de gênero não eram abordados nas aulas de forma exclusiva ou detalhada e que demorou 13 anos após a graduação para poder retornar ao ambiente universitário. Reconheceu a PUC pelo seu papel simbólico na sociedade em relação às lutas sociais, movimentos negros e feministas refletido em tantos importantes nomes que passaram pela instituição.
A Dra. Matilde trouxe um fato que deveria ser uma realidade mais comum na Universidade brasileira: na universidade federal Unilab pelo menos 80% do quadro de professores são negros,enquanto que instituições como a PUC tem um percentual abaixo de 10%.
A Abertura da Semana também contou com representações dos movimentos negros da PUC-SP, por meio das estudantes Carla Cristina Teodoro (Doutoranda em Serviço Social e do Coletivo Neusa Santos) Amanda Reis (graduanda em Relações Internacionais e do Coletivo Saravá), e da doutoranda Dayana Nascimento, também doutoranda em Serviço Social.
O Seminário Acadêmico foi realizado no segundo dia do Evento. A submissão de trabalhos podia incluir pesquisas de TCCs, monografias, ICs, entre outros, dentro de 9 eixos temáticos. As coordenações dos GTs englobaram estudantes, funcionários e docentes da PUC-SP e convidados externos que atuam nesses campos de pesquisa, em sua imensa maioria negras e negros.
Grupos de trabalho
O primeiro grupo de trabalho “Comunidades tradicionais e religiosidades”, contou com trabalhos abordando a presença negra nas religiões de matriz africana, neopentecostais e católicas. Também destacou as expressões culturais das comunidades tradicionais em torno do quilombismo urbano e rural. O GT teve coordenação do Prof Dr. Rodney William mestre em Gerontologia Social e doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP.
O segundo grupo de trabalho “Cooperação, projetos e agendas da África e das diásporas africanas” teve apresentações de resumos relacionados às agendas de governança global, estudos africanos, pensamento africano contemporâneo, panafricanismo, saúde global, cooperação sul-sul e triangular, regionalismo na África, lei 10639/03, história da África, literaturas africanas, diásporas africanas, migração africana, patrimônio cultural entre outros. Teve a participação na coordenação do Prof Dr Acácio de Almeida, doutor em Sociologia pela USP e Pós-doutorado pela Faculdade de Saúde Pública, da Professora Dra. Lucinéia dos Santos, da PUC-SP e da Prof da UNIFAI Bebel Nepumoceno, doutora em História Social pela PUC/SP, com especialização em História da África (CEAA/UCAM).
O grupo de trabalho “Epistemologias decoloniais” buscou trazer o debate da questão racial e a violência que foi usado como ferramenta de opressão para essa parcela da sociedade e as mudanças que a população negra proporcionou para sociedade na luta por direitos de igualdade e reconhecimento pela produção de conhecimento produzidos por eles, bem como as rupturas e tensionamentos com produções acadêmicas de perfil eurocêntrico. Foi Coordenada pela Professora do Curso de Filosofia, Dra. Maria Constança e pela graduanda Amanda Reis, ambas da PUC-SP.
O grupo de trabalho “Escravidão e pós abolição” apresentou debates da história social da escravidão e do pós-abolição propondo a reflexão e o aprofundamento das experiências de pesquisa e de ensino acerca dos momentos finais da escravidão e do pós-Abolição, com destaque para os processos de emancipação, as lutas por liberdade e debates da constituição da cidadania, antes e após à assinatura da Lei Áurea. Foi coordenado pela Prof Dra. Maria Antonieta e o doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas, William Lucindo.
O grupo “Justiça, juventude e encarceramento”, trouxe o debate acerca do encarceramento em massa, que no Brasil tem cor. O Brasil é o terceiro país no mundo que mais encarcera pessoas. Majoritariamente jovens negros encarcerados por um Sistema de Justiça branco e elitista. Refletir sobre essa forma de controle social, repensar o sistema de justiça criminal, a criminalização das drogas e da pobreza, se faz fundamental no combate ao racismo brasileiro em suas formas contemporâneas. Foi coordenado por Dr. Clério Rodrigues da Costa, professor da PUC_SP.
O grupo de trabalho “Música, arte e literatura”, propôs diálogos em torno do problema da entrada da população negra na modernidade. Os estudos nesse campo sugerem a emergência da vanguarda negra ancorada em saberes ancestrais. Dotada de um estilo próprio, que é o de sempre dialogar com o passado e o de reunir raízes múltiplas, as artes negras revelam uma capacidade instigante de reimaginar o mundo. Atribui-se ao fazer artístico e intelectual negros parte das respostas à destruição física e mental, e, ainda a expansão de visões de mundo em escala global. As artes negras se transformaram em poderosas formas de veiculação de memórias e crítica à branquitude. Presidido pelos coordenadores Dr. professor do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História PUC-SP, Amailton Magno Azevedo; e a Mestra em Fonoaudiologia pela PUC-SP e cantora Fabiana Cozza.
A apresentação de trabalhos no eixo de “Políticas afirmativas no ensino superior: docência e discência”, aborda a atuação dos movimentos negros e o avanço da luta antirracista permitindo a construção de importantes políticas públicas de inclusão educacional, especialmente no ensino médio e superior. As ações afirmativas se constituíram como elemento fundamental da construção democrática. Assim, o GT discutiu caminhos para ampliação do acesso, permanência e representatividade negra no ensino superior público, privado e filantrópico, a desconstrução do racismo e a superação da exclusão, discutindo a situação atual e as políticas públicas e institucionais necessárias para garantir a igualdade de oportunidades como princípio de justiça social. Foram responsáveis por esse grupo o Prof Dr. em Ciências Sociais e professor assistente doutor pela FEA (PUC-SP) Pedro Aguerre e a doutoranda Carla Cristina Teodoro, do programa de Serviço Social pela PUC/SP.
O grupo de trabalho “Raça, gênero e sexualidade”, recebeu trabalhos que trouxeram para a discussão a produção teórico-discursiva nos campos da questão racial, de gênero e de sexualidade a partir dos marcadores de diferenças que se interseccionam e repercutem em temas centrais como feminismos, masculinidades, corpos e tantos outros que permeiam as disputas em torno do tema. Conduzido por Dr. em Ciências Sociais e Secretário Geral da Reitoria da PUC-SP, Fabio Mariano da Silva; Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS-USP e professor na instituição FESP-SP, Vinícius Rodrigues e o Educador e Pesquisador do núcleo de Gênero, Sexualidade e Corpos Dissidentes na Educação mestranda da PUC-SP Lucas Dantas.
Por fim, o grupo de trabalho “Tecnologias no combate à discriminação racial”, recebeu trabalhos que trouxeram para discussão a produção no cenário da tecnologia e cultura digital em perspectiva étnico-raciais dirigido pelo Dr. em Ciência da Computação pelo IME-USP e professor na PUC-SP, Prof Jefferson de Oliveira Silva.
Avaliação do Evento pelos participantes
A avaliação do Evento pelos pesquisadores participantes foi positiva, trazendo importantes informações. Em relação ao grau de escolaridade, 30% eram de mestres e 26,7% cursavam a graduação. 23,3% cursavam Doutorado e 6,7% com pós-doutorado. O que evidenciou a adesão de pesquisadores, em sua maioria negros, interessados na produção de pesquisas acadêmicas.
A seguir alguns comentários dos participantes:
“Acredito que o evento podia ter sido mais divulgado e que poderiam ter sido publicados também os nomes das pesquisas que seriam apresentadas em cada GT. Teria sido legal também se os GT's não tivessem sido simultâneos, assim daria para os próprios apresentadores verem outras mesas.”
[Mostra-se importante] "prosseguir com outros eventos (que evidenciem o debate, produção acadêmica e cultural como meio de trazer à baila elementos que contribuam com a afirmação dos direitos humanos em nossa sociedade)".
Com relação à opinião sobre o Evento, estrutura, GTs e coordenação dos GTs a avaliação foi muito positiva, indicando o quão importante é pautar a produção de conhecimento plural, identitária e diversa em todos os aspectos da vida social, questionando e renovando, ao mesmo tempo, a produção acadêmica com novas epistemologias, olhares e agendas de pesquisa:
"Gostei muito do evento e a divisão dos temas, principalmente pela visão multidisciplinar do grupo em que eu participei, tive contato com estudantes da área de história, assistência social e psicologia, além dos acadêmicos de direito."
Mais de 80% avaliaram com nota 10 o Seminário Acadêmico e comentaram o quão importante foi incentivar esse debate acadêmico na Universidade um tema que tem que ser mais discutido na nossa sociedade atual.
“Gostei muito do tratamento, a receptividade para com todos, cheguei nervosa, mas, depois do acolhimento me senti mais confortável para a minha apresentação. Acho super importante ter esses eventos na Universidade para expandir nossos conhecimentos e ver o que está sendo trabalhado em outras áreas, com outras dinâmicas, , imprescindível para nosso crescimento acadêmico e como seres humanos”
Também foram assinaladas sugestões, como o tempo de apresentação e discussão para os próximos eventos:
"Sugiro que o ciclo de palestras e os GT's ocorram durante o mês. Para que amplie a participação da comunidade acadêmica. Evitando o período de provas."
"Seria muito importante que o evento fosse transmitido online via YouTube, por exemplo. Eu apresentei o meu resumo no grupo de trabalho, mas não foi possível ter acesso às demais apresentações dos outros grupos de trabalho em função desta limitação de transmissão. Eu sugiro que, inclusive, as apresentações também sejam online de modo que pesquisadores de outros estados possam apresentar as suas pesquisas."
[Mostra-se importante] “prosseguir com outros eventos (que evidenciem o debate, produção acadêmica e cultural como meio de trazer à baila elementos que contribuam com a afirmação dos direitos humanos em nossa sociedade” comentário de um participante
Em relação aos respondentes da pesquisa de avaliação, observou-se que mais de 80% das pessoas que submeteram e apresentaram trabalhos eram mulheres cis-gênero. Com relação a cor-raça, as respostas indicaram 67% de pesquisadores negros:
Uma das perguntas do questionário foi de avaliação do interesse do pesquisador integrar uma possível publicação dos anais do Seminário. As respostas indicaram que 83% estavam com os artigos ou relatos de experiencia preparados e interessados na sua publicação. 17% responderam que talvez participassem.
O corpo de professores que compuseram a organização dos grupos de trabalho ressaltaram a importância de um evento que evidenciasse a produção acadêmica negra, trans, periférica e feminina no âmbito acadêmico e a importância de epistemologias decoloniais, que possibilitam trabalhar questões antes ausentes do debate acadêmico:
"Aguardaremos para que as pesquisas e reflexões reverberem em ações, tais como a abertura de vagas para docentes, que garantam o ingresso e a permanência da população negra na universidade."
A Semana da Consciência Negra foi uma realização da Procrc, junto ao Cecafro-Depto de História, Faculdade de Direito e Núcleo de Filosofia: Depto de Ciências da Linguagem e Filosofia, promovido em conjunto com os Núcleos e coletivos Inanna, Neusa Santos e Saravá. Contou com o apoio da Facicla, Depto. de História, Faculdade de Ciências Sociais, Cursos de artes do corpo, Arte: História, Crítica e Curadoria, Multimeios, Cedic, Curso de Relações Internacionais, Museu da Cultura, UFABC, Programa de Pós Graduação em História, UFABC e Fórum contra o Racismo (MPT, PUC-SP, Fecap, Fmu, Ufba)
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