Formato online amplia participações internacionais em eventos acadêmicos

Com a pandemia da Covid-19, uso da tecnologia permitiu intensificar número de convidados e de espectadores de outros países

por Redação | 03/11/2020

Por Thaís Polato

Esta é uma reportagem condenada a ficar desatualizada assim que terminar de ser escrita. Mesmo assim, vale a pena fazê-la. Afinal, não é fácil achar algo positivo para se falar em meio às tristes consequências trazidas pela pandemia da Covid-19. Mas nós encontramos e o dado não para de se expandir, diariamente.

Ainda não temos números consolidados para demonstrar, como recomendam os melhores manuais de Jornalismo, mesmo assim vamos em frente. Afinal, a boa notícia é o visível aumento das participações de convidados e espectadores  internacionais em eventos acadêmicos, desde que tudo precisou começar a ser feito de maneira remota. Melhor ainda: isso vale para a pós-graduação, mas também para a graduação.

No dia 23 de outubro, por exemplo, o prof. Myron Spector, de Harvard (MIT Health Sciences and Technology), participou da VI Semana de Engenharia Biomédica da PUC-SP, em uma palestra mediada em inglês pela estudante primeiranista Giovana Boueiri

Dois dias antes, o mesmo evento organizado por alunos havia contado com o neurocientista Miguel Nicolelis. Professor titular do Departamento de Neurobiologia e Co-Diretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University (EUA), o brasileiro já foi eleito um dos 20 cientistas mais influentes do mundo pela revista Scientific American. Naquela manhã, Nicolelis fez uma palestra de 50 minutos sobre o tema Interfaces cérebro-máquina: da pesquisa básica às aplicações clínicas e, ao final, ainda respondeu a perguntas dos estudantes por mais 20 minutos.

A ideia de convidar “nomes de peso” no mundo acadêmico e do mercado de trabalho existia desde a primeira reunião da comissão organizadora da VI SEB, conta Janaina Yasmin de Paula Santos, aluna do quarto semestre e mediadora da palestra com Nicolelis.

“A comissão foi formada, basicamente, por estudantes de primeiro e segundo ano da graduação, empolgados e com coragem de ser ‘cara de pau’. Afinal, pelo evento ser online, era uma oportunidade única de conseguirmos palestrantes consagrados”, revela Janaina. A estratégia deu certo. “Nunca se espera ter uma experiência como essa, no começo da graduação, mas nós tivemos e foi incrível, um marco na nossa vida acadêmica”, afirma a estudante.

Para o prof. Pedro Ambra, da área de Psicologia, as relações foram impactadas pela pandemia de tal forma que as pessoas estão “se autorizando” a estreitar laços e fazer convites que talvez não fizessem em outro contexto. “É como se o espaço tivesse diminuído, inclusive em relação a pessoas que antes pudessem parecer inacessíveis. Não é que aquele que fez o convite tenha se tornado mais corajoso, porque não é uma questão completamente interna. Ela ocorre como um efeito das posições sociais terem se alterado. Mudou o que significa um convite, mudou a configuração e a constelação do que se considera viável e isso age sobre as percepções que nós temos de nós mesmos, ou seja, me vejo fazendo coisas que eu não faria antes”, afirma Ambra.

Outra participação internacional em uma atividade organizada por estudantes, mas de pós-graduação, foi a da atual Ministra da Segurança da Argentina, Sabina Frederic. Ela participou, em agosto, do programa Terra em Transe, produzido pelo Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) em parceria com a TV PUC. Sabina falou sobre o tema Segurança e Democracia: Novas Perspectivas a partir da Argentina e o programa pode ser assistido neste link.

Diversidade e expansão

Na pós-graduação, aliás, a lista de participações internacionais em 2020 é interminável e diversa, não só pela quantidade de países envolvidos, mas também pelos tipos de atividades realizados. Houve palestras, congressos, seminários, webinários, lives, defesas de teses, lançamentos de livros...

Somente o Programa de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (Lael), que acaba de completar 50 anos, terá recebido, até o final de 2020, nada menos do que 60 participantes estrangeiros, de mais de uma dezena de países, para diversas atividades online (leia, ao final, entrevista com o coordenador do programa).

A rotina das universidades foi alterada, mas a PUC-SP conseguiu adaptar seu Plano de Incentivo a Pesquisa (PIPEq), de forma a atender às necessidades que surgiram.  Para isso, a Reitoria lançou no segundo semestre, uma nova modalidade de fomento chamada Congresso Online (CONLINE). “Em decorrência da suspensão das atividades acadêmicas presenciais desde março de 2020 e do cancelamento das atividades acadêmicas que demandam mobilidade nacional e/ou internacional, a nova modalidade surgiu com o intuito de apoiar a apresentação de trabalhos de pesquisa dos(as) docentes em eventos em formato remoto”, afirmava o documento da Reitoria sobre o edital, que esteve com inscrições abertas até o início de outubro.

Outra modalidade de participação internacional, que já existia, mas parece estar ganhando força com a pandemia, é a de presenças virtuais em bancas de defesa. Autor da tese A Influência da Marca na Intenção de Compra: Proposta de um Modelo de Brand Equity Integrado, Aimãn Mourad defendeu seu trabalho de doutorado em setembro, confortavelmente instalado em sua casa. Do outro lado da tela, entre os docentes convidados para a banca, estava Filipe Jorge Fernandes Coelho, professor da Universidade de Coimbra, falando diretamente de Portugal.  “A experiência foi relativamente boa. Houve algumas facilidades, como a de estar num ambiente que é confortável e familiar como a nossa casa. Mas perde-se muito na questão simbólica, do rito que é defender uma tese e de ter as pessoas importantes presentes ali. A experiência fica mais fria”, considera Aimãn.

Ele conta que havia pensado, mesmo antes da pandemia, em ter uma presença internacional remota na banca, mas nada estava decidido e pairava uma certa insegurança quanto a isso, porque não era algo usual na universidade.  “A pandemia nos obrigou a usar algumas tecnologias e mostrou que participações remotas, internacionais e também de outros estados do nosso país, são viáveis e podem ser cogitadas com mais frequência, até porque a internet facilita as torna menos onerosa. Certamente, a ideia de como organizar bancas e eventos mudará a partir do que estamos vivendo este ano”, afirma Aimãn.

As participações remotas internacionais também ocorreram em diversos lançamentos de livros. O Pós em Literatura e Crítica Literária, por exemplo, contou com a participação do escritor português José Luís Peixoto para sua aula inaugural do segundo semestre, em agosto. Na ocasião, Peixoto abordou, em primeira mão, um livro que seria lançado apenas no final daquele mesmo mês. “A atividade foi um sucesso. Ele é um escritor premiado e um dos mais conhecidos em Portugal”, afirma a profa. Diana Navas, coordenadora do Pós em Literatura e Crítica Literária.

O Pós em História da Ciência também teve a participação de pesquisadores de fora do Brasil, no lançamento do livro comemorativo dos 20 anos do Programa: Rotas, Mapas e Intercâmbios da História da Ciência. As participações online vieram de países como França, Alemanha e Argentina.

Permanência e futuro

Já o Pós em Tecnologia da Inteligência e Design Digital (TIDD) criou uma marca, com design próprio e divulgação em meios digitais como Facebook, Twitter e Instagram, o TIDD Digital. “Trata-se de um programa com canal no YouTube, com projeto e planejamento paralelos que visam fortalecer as linhas de pesquisa do TIDD. Começou a funcionar na pandemia, mas se trata de um programa para ter continuidade visando não apenas fornecer material acadêmico e intelectual para os alunos, mas também para dar visibilidade ao programa”, afirma a profa. Lucia Santaella, coordenadora do TIDD. Desde sua criação, há cerca de três meses, o canal já contou com participações internacionais de países como Estados Unidos e Inglaterra.

Antes de terminar o texto, caro leitor, vale dizer que a realidade trazida pela pandemia já mudou alguns planos até para 2021. Organizador do tradicional Encontro Internacional Sobre Pragmatismo, que chegará à sua 20ª edição no ano que vem, o prof. Ivo Assad Ibri (Pós em Filosofia) revela que a edição marcada para acontecer de 8 a 11 de novembro de 2021 terá participações internacionais online, uma novidade em relação a edições anteriores.

“A ideia surgiu como consequência das mudanças trazidas pela pandemia. De qualquer modo, se for possível, traremos também alguns pesquisadores para participação presencial. Pretendemos fazer um evento híbrido. O mundo acadêmico já está muito mais aberto e preparado para isso agora”, considera Ivo.

Os exemplos de participações internacionais são muitos na PUC-SP em 2020 e, certamente, esta reportagem falhará em listá-los. A vantagem é que, como permite a internet tão intensamente usada por nós este ano, o texto estará sempre aberto a complementações.

Sigamos em frente, porém alertas. De olho no que diz o prof. Pedro Ambra. “Estar conectado a maior parte do dia à tecnologia, trabalhando e fazendo outras coisas, é algo que muda nossa relação com o mundo. Tivemos uma grande capacidade, de maneira geral, em nos adaptar à forma pela qual o trabalho e a sociabilidade estão acontecendo. Mas vale lembrar que esse é um processo no qual não somos muito ativos, a gente responde à maneira como a realidade se configura e o formato digital pode acabar se impondo de maneira acrítica, seja no trabalho, seja na nossa sociabilidade”, alerta o docente.


Lael completa 50 anos

Coordenador do Programa de Pós em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem fala sobre a participação internacional nas comemorações

O Pós em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (Lael) completa cinco décadas neste ano de 2020. Segundo o coordenador do Programa, prof. Tony Beber Sardinha, a participação internacional nas comemorações foi ampliada, pelo fato dos eventos terem se tornado remotos com a pandemia da Covid-19. “Foi maior não só entre os convidados das mesas, mas também em relação ao público participante”, afirma Sardinha. “O Lael organiza um grande evento presencial, o Intercâmbio de Pesquisas em Linguística Aplicada (InPLA), que havia contado com mais de mil participantes na última edição. Agora, no formato online, ultrapassamos em muito essa marca. Além de atingir mais pessoas, também aumentamos o alcance geográfico, com participantes de quase uma centena de países diferentes. Se fosse presencial, não haveria esse alcance, devido aos custos de viagem para o Brasil”, considera Sardinha.

Leia, a seguir, entrevista com o coordenador do Lael sobre a experiência das participações internacionais.

JPUC – O sr. considera que esta internacionalização, via tecnologia, poderá ser algo positivo a se manter no mundo acadêmico, mesmo após o final da pandemia?
Tony Beber Sardinha (TBS) – Acredito e espero que sim. Notamos dados muito positivos que reforçam essa afirmação. A tecnologia atual permite uma interação por vídeo de boa qualidade, o que não era possível uns anos atrás, e temos de aproveitar esta realidade. Se os eventos fossem presenciais, por exemplo, as dificuldades de locomoção, as restrições de trânsito de pessoas e os custos envolvidos tornariam a participação muito mais limitada. Nos nossos webinars, por exemplo, tivemos um contingente de participantes de lugares como o Irã, que sofrem restrição para conseguir visto para alguns países do mundo onde se realizam grandes congressos acadêmicos, como os Estados Unidos. O próprio aplicativo Zoom não tem o Irã na lista de países do seu menu de inscrição! Nossos colegas iranianos precisavam escolher a opção 'other' na ficha para conseguir participar. Isso porque o Zoom é uma empresa norte-americana e o governo dos EUA impõe sanções econômicas a esse e a outros países. Quando eu tracei um mapa dos participantes dos webinars, também vi que muitos vinham de países conhecidos, mas de lugares distantes dentro desses países, fora das grandes cidades. Isso tudo sem falar que os webinars são gratuitos, o que democratiza ainda mais a participação.

JPUC – Ganhou-se diversidade e amplitude, então?
TBS – Certamente. Além destes fatores que levantei, percebo que colocamos novas possibilidades na “rota dos encontros acadêmicos virtuais” com nossos eventos online do Lael. Acabei de participar como palestrante convidado de um evento na Colômbia, por exemplo, que é um país que não associávamos à “rota dos encontros acadêmicos”, antes da pandemia, mas que graças à adoção da modalidade virtual, está fazendo parte.

JPUC – Em que medida tudo o que havia sido construído antes da pandemia teve peso no quadro atual de eventos acadêmicos?
TBS – Notei que o sucesso dos webinars veio em boa medida de redes de pesquisas já criadas presencialmente, ao longo de muitos anos, por meio de viagens de nossos professores e alunos para o exterior, e também de convidados estrangeiros para a PUC-SP. Isso nos abriu as portas para podermos receber resposta positiva aos convites que fizemos a tantos pesquisadores. Então, se de um lado os eventos online abriram muitas oportunidades de ampliação de contato, por outro as redes de pesquisa criadas presencialmente nos deram o cacife necessário para dar credibilidade aos eventos online.

JPUC – O sr. já estava acostumado a fazer participações internacionais em eventos, via tecnologia? O que acha da experiência, muito diferente da presencial?
TBS – Eu, particularmente, não estava acostumado às plataformas online. Já havia usado o Zoom em curso da PUC-SP para permitir que membros do grupo de pesquisa que moram em lugares distantes, e mesmo no exterior, pudessem acompanhar a aula. Sinceramente, não havia gostado muito da experiência, por problemas de conexão, mas isso foi há um ano ou mais, quando a tecnologia não estava tão desenvolvida. Atualmente, acho a experiência de participar remotamente de congressos interessante, mas não tão rica e marcante quanto a participação em pessoa. As relações humanas são muito importantes no meio acadêmico-científico. Pode não parecer, mas são. Muitas amizades são criadas e mantidas por meio dos congressos. Conheci muita gente nesses encontros presenciais, desde professores e alunos a vendedores e promotores de livros, porteiros, ajudantes, secretários, enfim trabalhadores das Universidades. O momento mais estranho em um evento online, a meu ver, é a despedida: você faz sua apresentação, o anfitrião agradece, você retribui e em seguida desligam-se as câmeras... acabou. É muito frio... Nos encontros presenciais, você tem todo um lado social. A despedida da apresentação dá início a um novo contato, a um jantar, um lanche, um café, e nesses encontros sociais são criados os laços que marcam as relações acadêmico-científicas. Sem falar na riqueza do ato de viajar e conhecer outros lugares e outras culturas.

 

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