Júri simulado na FCMS debateu prescrição indevida de esteroides anabolizantes

Atividade aconteceu na noite de 13/8, na FCMS

por Redação | 21/08/2024

Na noite de 13/8, a Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS) da PUC-SP promoveu um júri simulado para debater o caso hipotético de um médico que prescreveu esteroides anabolizantes a um paciente, extrapolando os limites éticos da profissão e até mesmo os legais. A atividade também celebrou os 40 anos do Programa de Residência Médica na área de Endocrinologia e Metabologia, atualmente coordenado pelo professor-doutor João Carlos Ramos-Dias.

O evento, inédito na faculdade, foi organizado pelo professor Ramos-Dias em conjunto com a professora-doutora Maria Helena Senger, ex-diretora da FCMS, ex-coordenadora do curso e docente de Endocrinologia, além de médicos residentes e já formados.

Para enriquecer a discussão, foram convidados dois especialistas: o professor-doutor Vidal Serrano Nunes Júnior, diretor e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP e procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, e o professor-doutor Clayton Luiz Dornelles Macedo, especialista em Endocrinologia e Medicina do Esporte da Unifesp e um dos idealizadores do movimento #BombaTôFora.

O professor-doutor Godofredo Campos Borges, diretor da FCMS, abriu a atividade, agradecendo a presença de todos, especialmente dos convidados e dos médicos residentes, docentes e alunos. O vice-diretor adjunto, Ulisses Del Nero, também prestigiou o evento, assim como outros professores e funcionários da instituição.

Julgamento

O júri simulado teve início com o professor João Carlos Ramos-Dias (que assumiu o papel de juiz) contextualizando os objetivos da atividade e o caso em questão. Em síntese, tratava-se da prescrição inadequada de esteroides anabolizantes pelo médico fictício Charles (interpretado pelo residente Vinicius Nogueira Zuntini) que, violando normas éticas e legais, causou prejuízos financeiros e físicos à vítima, Eduardo (interpretado pelo residente Luiz Gustavo Riche Serenini), um jovem de 23 anos.

A médica endocrinologista Júlia Brum de Mello atuou como promotora, enquanto seu colega Rafael Buck Giorgi assumiu o papel de advogado de defesa.

Após a apresentação da promotoria e da defesa, da inquirição das partes e das alegações finais, o corpo de jurados, composto por estudantes de Medicina da PUC-SP, deliberou sobre o caso e condenou o réu. A sentença foi lida pelo juiz, professor João Carlos Ramos-Dias.

Na sequência, os professores Clayton Dornelles e Vidal Serrano abordaram os diversos aspectos jurídicos, médicos, técnicos, civis e criminais relacionados ao caso, que, embora fictício, reflete uma preocupante realidade no Brasil: a crescente comercialização, prescrição médica e automedicação de esteroides anabolizantes. A doutora Maria Helena também contribuiu com opiniões e reflexões.

Mídia, artistas e influenciadores digitais

O professor Clayton Dornelles ressaltou a influência da mídia, de artistas e influenciadores digitais na banalização do uso de esteroides anabolizantes, além de médicos que fazem apologia a essas substâncias e as prescrevem para fins estéticos e de performance. “O pior é que médicos que se destacam nesse mercado lucram com cursinhos de fim de semana que formam novos prescritores. Esses cursos perpetuam um ciclo de exploração financeira de médicos e pacientes”, afirmou.

Criação de uma falsa especialidade médica

Clayton Dornelles também denunciou a criação da “Hormonologia”, uma falsa especialidade médica utilizada para justificar cobranças abusivas por certificações e diplomas de pós-graduação, além da realização de congressos que atraem milhares de pessoas.

Outra preocupação apontada pelo professor é a participação de farmácias de manipulação nesse mercado altamente lucrativo, aproveitando-se de uma brecha legal. “A legislação possibilita que o médico tenha autonomia e seja responsável pela prescrição, enquanto a farmácia magistral manipula essa prescrição. Isso é o que diz a lei”, lamentou. E também há recompensas ilícitas nessa tramitação.

O professor apresentou, ainda, os resultados de um estudo dinamarquês com 1.200 usuários de esteroides anabolizantes, realizado ao longo de 12 anos, que revelou um aumento de quase três vezes na mortalidade, de 12 vezes nos homicídios e maior incidência de depressão grave, infarto renal e do miocárdio, tumores malignos, redução da espessura do córtex cerebral, embolia pulmonar, entre outros problemas, em comparação a não usuários.

O contexto jurídico e a batalha que se vislumbra

O professor Vidal Serrano fez uma ampla explanação sobre o contexto jurídico do tema, abordando a definição legal de saúde, os riscos jurídicos para médicos e farmácias, as normas do Código de Defesa do Consumidor, os órgãos com poder de polícia, a responsabilidade objetiva (de estabelecimentos comerciais) e subjetiva (dos médicos), entre outros aspectos.

“Será uma grande batalha médica, jurídica e, principalmente, ética, com a participação dos conselhos de Medicina, da Justiça, das faculdades de Medicina e da sociedade como um todo, para evitar as doenças e mortes causadas pelo uso indiscriminado de esteroides anabolizantes”, concluiu.

Após a fala dos professores, a palavra foi aberta para perguntas do público. Encerrando o evento, a professora Maria Helena Senger fez uma importante reflexão: “Existe algo muito pior do que a informação enganosa – que, algumas vezes, é disseminada até de forma involuntária. Trata-se da desinformação, que envolve ganho intelectual e financeiro”.

“Ações como este júri simulado e o movimento #BombaTôFora são fundamentais para combater a desinformação. Os futuros médicos presentes nesta sala precisam estar conscientes dessa problemática para que, em sua prática profissional, contribuam para sua erradicação”, finalizou a professora.

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